Antonio José
O
trabalho, a gente sabe, às vezes é um fardo pesado, outras é um desafio amargo.
Mas de vez em vez, é um deleite. Um momento prazeroso.
Tenho
pra mim que o matiz da nossa alma depende exatamente do tanto de humanidade que
a gente pode identificar no mundo do trabalho.
Manifestações
elegantes, práticas gentis explodidas do meio do operariado, me enchem de
orgulho e esperança. São pequenas revoluções num ambiente que, sabemos todos, é
desmesuradamente competitivo.
Mas,
graças ao bom pai, no seio do operariado foi me dada a sorte de conhecer gente
como Antonio José.
Chegamos
juntos aqui em
Barcarena. Viemos na turma pioneira que iria pôr a vante um
ambicioso projeto industrial. Éramos uns quantos, naquele dia, e gente de todo
canto do Brasil. Não nos conhecíamos. Trocávamos uma prosa aqui e outra ali nos
ombreando nas curiosidades e surpresas que a viagem a Barcarena nos
proporcionava.
No
primeiro contato com o projeto, fui balado. O médico me reprovou nos exames
iniciais dizendo que eu tinha um não sei quê e ele não podia me aprovar sem que
eu tivesse um laudo e piriri, parará. Foi um choque. Vinha de mais de dez anos
me virando pelos sertões amazônicos, sempre longe de casa. Aquela era uma
chance de trabalhar próximo a Belém, minha querida cidade. A chance de um
emprego numa hora que vinha bem a calhar. Mas tinha ali um obstáculo. Fiquei
triste, triste, triste, de marré de si.
Concluída
aquela etapa, eu tive que voltar para casa.
Quando
estava sentado na parada do ônibus, meio desolado, cabisbaixo, Antonio José
apareceu, como um anjo caído do céu. Perguntou o que havia acontecido...
Após
ouvir a história, ele me pegou pelo braço, me ergueu da calçada e disse que eu
não podia amofinar, que eu tinha que ser forte. Tinha que acreditar. “Tu vais
ver: o especialista vai te dar o laudo amanhã e vai dar tudo certo”, disse ele,
com um animador brilho nos olhos.
Dois
dias depois eu já estava integrado ao grupo dos aprovados. Reencontrei Antonio
José. Dei-lhe um abraço agradecido e dali em diante cultivei um sincero sentimento
de gratidão por aquele companheiro.
O
mundo do trabalho nos impõe provações, mas também, nos reserva graças. Revelou
a mim, no meio de uma revoada de candidatos a emprego, um homem cheio de
humanidade, pleno de sentimentos bons. Fiquei eternamente agradecido ao Antonio
José por aquele momento em que, sem sequer me conhecer direito, me acudiu na
minha tristeza.
Depois
disso, cada um foi pro seu lado. Pelejamos em pólos diferentes do projeto. Mas
sempre que eu topava com ele, fazia questão de reiterar o meu apreço e a minha
gratidão. Até nos tempos em que eu era um bicho feroz, nos tempos em que eu
rosnava de microfone na mão, na portaria da fábrica, nesses tempos, quando
encontrava o meu amigo no meio da massa operária, baixava em mim o espírito da
candura e sem recatos, trocava o discurso enfezado por uma declaração
apaixonada: “ei, Antonio José, gosto muito de ti, tu sabes disso. És um grande
companheiro. Tens alma...Alma pura”, eu dizia. E ele recebia as minhas palavras
meio sem jeito, humilde...Grandioso.
Antonio
José, nos primeiros dias da vida operária, me trouxe uma mensagem de esperança
e fé. Outras vezes, no calor da luta sindical, me inspirou a falar as palavras
vindas do coração, sem vergonhas ou descrenças.
Antonio
José, meu companheiro. Um exemplo de solidariedade, bondade, gentileza.
Meu
querido amigo nos deixou.
Agora
que Antonio José foi pro céu, tenho certeza que, naquele dia, na parada do
ônibus, quando desolado eu estava, fui acolhido sim, por um anjo.
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