sábado, 24 de outubro de 2015

crônica da semana - curriculo vital.

Curriculo vital
Não sou jornalista, claro fique para que os profissionais da área não me tenham como pirata e para que meus leitores não me tomem como presunçoso. Sou um profissional de outra praça que escreve em jornal em primeira pessoa, busca temas na vida, na imaginação e nas calçadas, o que resulta num tipo de narrativa classificada como crônica.
Bem que gostaria de ser. O jornalismo é uma profissão encantadora.
Acontece que mesmo que quisesse e pudesse, não seria um bom jornalista. Me falta a propriedade que ao jornalista é imprescindível: a isenção. Como disse acolá atrás, meu eu lírico sou eu mesmo, nos meus textos. Me embrenho nas personalidades de narrador e personagem e isso dá aos meus escritos um perfil  evidentemente passional. Estes vieses na composição, esta teimosa subversão de construir frases em próclise; e o apego ao cordial, ao íntimo e ao recôndito, me jogam, providencialmente, a uma boa distância da linguagem denotativa.
O fato de ser um peão trecheiro de mineração que escreve, por analogias extemporâneas, me levaram inevitavelmente a empreitadas de responsa, principalmente no período em que militei no movimento sindical. Não tinha jeito de escapar da missão de secretariar a entidade e os eventos que participávamos. O meu desvelo, e o maior exemplo que tenho de desapego ao acontecimento inabalável e concreto, era na fase de elaboração de atas das reuniões que tínhamos com a patronal. As atas, recomendava o fair play, precisavam ser aprovadas e assinadas pelas partes. Necessidade não há em dizer que isso jamais acontecia. Eu como redator, e puxando desavergonhadamente a brasa para minha sardinha, inviabilizava qualquer acordo. Nossos contendores piravam com as minhas versões pensas, escandalosamente polarizadas da realidade das reuniões. Podia até dar indício de imparcialidade, mas caprichava no recheio com exposições do tipo: “o representante da patronal, confirmando sua inclinação para as práticas mais infaustas de intimidação aos trabalhadores, lançando mão de mecanismos obscuros e de interpretações equivocadas da legislação que protege os direitos da categoria, simplesmente rechaçou a proposta muito coerente e substancialmente lícita do sindicado para que a próxima reunião se realize nas dependências da sede do sindicato.” Tinha a impressão que se o negociador da patronal tivesse em mãos um airoso cipó da goiabeira, me lanhava as costas ali mesmo. E com toda razão, reconheço. O maniqueísmo tornava nossas negociações travadíssimas. Houvesse em mim o pendor jornalístico, atento apenas ao caráter referencial, reduziria esta informação a uma oração de período simplesinho assim “patrões e empregados não entram em acordo sobre o local da próxima reunião”.
Aqui, ali, quando me convidam para as partes, por causa do meu baque de cronista, um currículo sempre me é solicitado para as formalidades. Embora eu me esquive da denominação de jornalista, na falta de outra habilitação afim, por fim, o título é mantido pelo anfitrião. Parecer ser vital um encaixe. Minha valência é que não tenho que redigir atas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário