Curriculo vital
Não
sou jornalista, claro fique para que os profissionais da área não me tenham
como pirata e para que meus leitores não me tomem como presunçoso. Sou um
profissional de outra praça que escreve em jornal em primeira pessoa, busca
temas na vida, na imaginação e nas calçadas, o que resulta num tipo de
narrativa classificada como crônica.
Bem
que gostaria de ser. O jornalismo é uma profissão encantadora.
Acontece
que mesmo que quisesse e pudesse, não seria um bom jornalista. Me falta a
propriedade que ao jornalista é imprescindível: a isenção. Como disse acolá
atrás, meu eu lírico sou eu mesmo, nos meus textos. Me embrenho nas
personalidades de narrador e personagem e isso dá aos meus escritos um
perfil evidentemente passional. Estes
vieses na composição, esta teimosa subversão de construir frases em próclise; e
o apego ao cordial, ao íntimo e ao recôndito, me jogam, providencialmente, a
uma boa distância da linguagem denotativa.
O
fato de ser um peão trecheiro de mineração que escreve, por analogias
extemporâneas, me levaram inevitavelmente a empreitadas de responsa,
principalmente no período em que militei no movimento sindical. Não tinha jeito
de escapar da missão de secretariar a entidade e os eventos que participávamos.
O meu desvelo, e o maior exemplo que tenho de desapego ao acontecimento
inabalável e concreto, era na fase de elaboração de atas das reuniões que
tínhamos com a patronal. As atas, recomendava o fair play, precisavam ser
aprovadas e assinadas pelas partes. Necessidade não há em dizer que isso jamais
acontecia. Eu como redator, e puxando desavergonhadamente a brasa para minha
sardinha, inviabilizava qualquer acordo. Nossos contendores piravam com as
minhas versões pensas, escandalosamente polarizadas da realidade das reuniões.
Podia até dar indício de imparcialidade, mas caprichava no recheio com
exposições do tipo: “o representante da patronal, confirmando sua inclinação
para as práticas mais infaustas de intimidação aos trabalhadores, lançando mão
de mecanismos obscuros e de interpretações equivocadas da legislação que
protege os direitos da categoria, simplesmente rechaçou a proposta muito
coerente e substancialmente lícita do sindicado para que a próxima reunião se
realize nas dependências da sede do sindicato.” Tinha a impressão que se o
negociador da patronal tivesse em mãos um airoso cipó da goiabeira, me lanhava
as costas ali mesmo. E com toda razão, reconheço. O maniqueísmo tornava nossas
negociações travadíssimas. Houvesse em mim o pendor jornalístico, atento apenas
ao caráter referencial, reduziria esta informação a uma oração de período
simplesinho assim “patrões e empregados não entram em acordo sobre o local da
próxima reunião”.
Aqui,
ali, quando me convidam para as partes, por causa do meu baque de cronista, um currículo
sempre me é solicitado para as formalidades. Embora eu me esquive da
denominação de jornalista, na falta de outra habilitação afim, por fim, o título
é mantido pelo anfitrião. Parecer ser vital um encaixe. Minha valência é que
não tenho que redigir atas.
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