Encontro marcado
O
foguetório anuncia a Romaria Fluvial se adiantando lá na baía. Trânsito
engarrafado. O som agora está mais distante. Varamos na José Malcher. Vou
perder a descida da Santa, profetizo esboçando um desespero indisfarçável.
Sinal vermelho. Me bato com umas contas rápidas. Recomponho em retalhos
assimétricos as fórmulas da Física. Velocidade, o estirão a ser percorrido,
tempo. Atrito. Onze e pouquinho. Faço uma simulação da maré. Se estiver na
vazante ainda dá tempo. A corveta vai encontrar resistência da corrente lá na
desembocadura do Guamá. Éraste, em compensação quando embicar para a escadinha,
vem que vem somando vetores, reconsidero. Pensando assim, botando fé na Física,
não vai dar tempo. Decido. Umbora, gente, chamo a mulher, os meninos e saio em
desabalada carreira pelas calçadas de lióz da antiga estrada de São Jerônimo.
Nem dei que estava com uma sandália de passeio e que ela, de vez em quando
fugia do meu pé, indo dar lá longe e me atrasando mais ainda...
O grande
momento, aquele instante em que percebo melhor a devoção é exatamente a chegada
da Romaria Fluvial lá na escadinha. Ali somos louvores indizíveis, emoções
libertas, sintaxes fervorosas de outubro. A graça se faz em fartos cachos de
manga, em sombras acolhedoras e brisas confortantes, em lágrimas doces e vozes
agradecendo, em olhares de contemplação e preces. Na subida da escadinha, até o
estrondoso rumor das motos é tido como se fosse delicada bênção.
Só
que eu ainda estava na subida da José Malcher catando a sandália aqui e acolá,
na carreira. Procurava entender a situação. O cortejo adiantou ou nós é que
demoramos pra sair de casa? Estava tudo tão combinadinho. Ofegante, não
desistia do encontro. Minha mulher e meus meninos, perdidos da vista, lá atrás.
Tive um forte pressentimento. Chegou!
Logo
adiante do palacete Bolonha, meu joelho começou a doer. Uma herança do glorioso
Internacional da Mauriti.
Apesar
da sandália e da dorzinha chata no joelho, cruzei a Praça da República como um
bólido (diriam os narradores de futebol, aos microfones das difusoras de rádio,
fosse o caso, a minha solitária peleja).
Mas
foi eu bater o pé na Presidente Vargas, e a Santa passou. A providência
desacelerou o cortejo. A Santinha parou na minha frente, parece para me ralhar:
“mas tu, heim, pequeno, quase, quase”. Reverente, aceitei o puxão de orelha e fiz
o mesmo dos últimos encontros. Ergui as mãos em direção a Santa e agradeci.
Poderia pedir. De mil coisas, preciso. Mas não, o que me ocorre toda vez que
nos encontramos, é apenas agradecer. Pelos meus meninos, pela minha
companheira, pela minha família, pela sintaxe de outubro. Agradeço à doce
Virgem Maria pela esperança que ela deposita em minhas mãos a cada Círio.
A
Santa passou. Os meus meninos, minha mulher apareceram e me pegaram a chorar um
choro de felicidade. Tomamos as mãos uns dos outros e descemos para a escadinha
fazendo combinas e amarrando compromissos de, para o ano, não nos atrasarmos de
jeito e maneira, para este abençoado encontro.
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