Zeneldo
(aos nossos peões)
Daquilo tudo, eu
já tinha uma idéia. Fazia parte da grade da Escola Técnica umas pincelas de
como seria, na vera, a vida de Técnico em Mineração. O desterro, a lida diária
com a peão’zada. A malária. Na real, eu estava bem encomendado aos reveses do
ermo.
Meu trabalho, em
grande parte do tempo, foi marcado pela atuação na pesquisa. Era trampo brabo.
Na minha primeira experiência, aos 19 anos fui lançado em um acampamento com
pelo menos 30 peões. Cheguei acompanhado do Geólogo, fui apresentado, atei
minha rede, guardei minha boroca e me aprumei na situação. Os barracos eram de
palha e não havia luz elétrica. Durante o jantar, me apresentei numa portinhola
recortada na parede de pindoba amarela, e fui servido pelo Negão Assis. No
outro dia o Geólogo se mandou e eu fiquei dando o meu jeito sozinho. Meu
acampamento se chamava Bom Futuro.
Parte daquela
equipe com a qual eu, meio sem jeito, começava a me relacionar, me acompanharia
pelos 3 anos e meio que passei em Rondônia. Era o meu pessoal, peões do trecho,
passados na casca do alho. Aprendi muito do trabalho e da vida com Assizão que
naquele meu primeiro dia era cozinheiro, mas bateava, operava sonda, cortava
picada, batia cepo. Fazia de um tudo. Rebarbado, bruto, mas foi um cara que
sempre fiz questão de ter ao meu lado. Outros: Rogério me segredava as manhas
para concentrar as areias. Tinha uma elegância no batear. Com ele aprendi todos
os recursos da bateia, inclusive, fazer com a água, o fluxo de canhoto.
Fantástico, o Rogério. Era de Humaitá, se admitia peão sem eira, vivia com um
cigarro porronca, por vezes apagado, no canto da boca e se orgulhava de ter uma
irmã ‘tilógrafa’; Zé Carlos era de poucas palavras. Operava sonda e ficava
piriricas da vida se outro trabalho lhe fosse dado. Quando a sonda quebrava, eu
o poupava (de ser cozinheiro, ou de abrir picada, como o Assizão, por exemplo
). Ficava na rede. Só levantava pra comer. Tinha outro porém. Mesmo que a sonda
estivesse rodando, no carnaval, podia esquecer o Zé Carlos. Se enfurnava nos
inferninos da BR 364 e só aparecia no barraco (também, só pra comer e dormir)
na tarde de quarta-feira de cinzas. No entanto, o custo era ele tornar.
Refeito, era um líder. Trabalhador incansável, centrado, metódico. Muita cassiterita
achamos, muitas reservas medimos, a partir dos furos cuidadosamente executados
por Zé Carlos. Até o último dia em Rondônia, não desapreguei dele.
Eu nutria um
carinho especial pelo Zeneldo. Não tinha aptidões. Era linha de frente. Um
monstro. Movia montanhas. Rude de alma límpida.Toda vez que me encontrava na
vila, gastava parte do salário em cerveja comigo e Adão Jorge, técnico vindo de
Ouro Preto. Mesmo que a gente protestasse, ele abria a carteira e mandava
descer gelada e petiscos. Queria falar, conversar. Expor a alma.
Quando cheguei a
Rondônia, sabia de algumas coisas, mas tinha comigo o ranço da cidade. Pensava
ser superior. Me julgava acima da peão’zada. A eles não creditava outra coisa
senão os músculos. Zeneldo, naquelas cervejadas que a gente tomava, me mostrou
o quanto somos iguais. Estávamos ali no ermo pela comida, pela moradia, por um
salarinho assim, ó. E padecíamos da mesma dor no coração.
Saí de Rondônia
e ganhei o mundo. Por onde andei, levei a prosa sincera de Zeneldo comigo.
Égua Sodré, a gente aprende muito com eles, até hoje não esqueço dos peões com quem trabalhei em Custódia-PE
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