O PRIMOGÊNITO
Estávamos a quinze dias, segundo as
previsões do médico, para o nascimento do nosso primeiro filho. Terça de
carnaval. Os passistas e as mulatas ainda desenhavam os seus passos elegantes
pela avenida. O sol anunciava um belo dia de samba, suor e cerveja...na Bahia.
E aquele líquido insistia em apresentar-se discretamente. Não vinha porém,
acompanhado de tal dor. Não sabíamos naquele momento, que os primeiros minutos
da Terça eram minutos vitais para o nosso bebê.
A mãe na sala de cirurgia, ou como se
dizia antes, na pedra Eu esperando,
parado, pensando sobre o mundo, sobre a vida,. Sobre as questões éticas,
morais. Sobre as primeiras impressões do bebê diante de um mundo inebriado pelo
poder do capital, pelas estruturas seculares vis... pela tecnologia que lhe
traz à luz. Lá em cima, cinco, seis médicos. Eu ainda acrescentaria um
psicólogo e um sociólogo. O bebê precisa de assessoria nessas questões
prementes da nossa realidade. O mundo aqui fora é muito sério e o bebê precisa
saber da genética, da estética e das artes.
Estava divagando ainda, quando a
enfermeira perguntou: “Já trouxe as
roupas do bebê”? acordei da minha viagem. As roupas, claro. O bebê precisa de
roupas; mamadeira; carrinho; uma literatura para dormir, talvez uma coisa do
Gabeira; ou aquele artigo “O homem total do nascimento à plenitude etária, numa
visão socialista do sucesso pessoal”, de Andrei Sukov; as roupas.
Quando o bebê chega, tudo já está
providenciado. Nesta fase o bebê só precisa de algumas peças de roupa para
aquecê-lo e do leite materno para alimentá-lo. E só. Sou um coadjuvante nesta
história mas faço a minha parte. Troco fraldas, lavo isso, levo aquilo, trago
aquilo’outro. A minha vontade era estar para tratar outros assuntos com o bebê.
Aquelas questões...a sociedade de consumo...o existencialismo sartreano, mas
nem inicio a conversa e o bebê chora. Quer mamar.
O bebê faz xixi. O bebê chora. Enfermeira
socorro! O bebê faz cocô( e viva a sociedade de consumo que criou a fralda
descartável) . O bebê espirra. Enfermeira ,me acuda! Oh meu Deus, porque eles não vêm com um manual
de instrução?!
Mais tarde a cavalaria americana aparece
salvando a tudo e a todos. São os parentes e amigos. Ajudam a mãe que não pode
se mexer. Levantam, amparam...O efeito da anestesia (milionária por sinal. Pelo
preço o efeito deveria passar só no ano de 2550) passa e a mãe sofre um tanto.
Num momento de alívio a mãe relata a aventura e deixa escapar:
_ Foi uma barra, gente. O bebê tava passando da hora de nascer, o médico foi bem
prestativo e rápido. Mas como dói! Não quero passar uma situação dessa outra
vez.
Todos deixam escapar: o pai depois de
ficar sabendo por uma japonesinha espevitada, o preço cobrado pelo anestesista:
_Nem eu.
A
mãe da mãe que deixou tanta coisa por fazer, além do feijão no fogo, e
que integra a comissão “levantar, amparar e levar a mãe ao banheiro”:
_Nem eu.
A melhor amiga que adiou compromissos
importantíssimos, mas vale a pena porque sei lá, a gente se sente tão assim, e
que é da mesma comissão:
- Nem eu.
A comadre que deixou a filha pequena em
algum lugar conhecido da casa ( porque existem os desconhecidos) com não sei
quem e que integra a comissão externa( compras de algodão, fraldas, chazinhos
para o pai):
- Nem eu:
O compadre, que é pai de quatro, e
discutia com o pai sobre a possibilidade de uma revolução do chadão, país do
extremo asiático, e que não tem comissão definida:
- Nem eu:
A mãe do pai que não para de chorar de
emoção desde que chegou, e que é da comissão de paparicos ao bebê.
- Nem eu:
No dia seguinte o inevitável: a alta.
- Vocês já podem ir.
- Como podem ir? Quem vai dar banho do
bebê? E quando ele tossir ou espirrar? E quando não quiser dormir?
Sugeri ao médico que me emprestasse a
enfermeira por uns oito anos, até que a gente aprendesse essas coisas. Em vão.
Horas depois estávamos arrumados. Não satisfeito ainda, fui até a pediatria e
dei um ultimato:
- Tudo bem, eu vou. Mas só saio daqui com
o certificado de garantia.
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