Doc
comprobatório
Sou um tipo muito
ligado a datas. Dou o maior valor aos dias marcantes. Faço um xis na folhinha
do ano para destacá-los e deles, busco sempre razões, boas lembranças,
aprendizados. Este 22 de fevereiro, então, que este ano cai no domingo próximo
vindouro, ou seja, amanhã, para mim é pra lá de especial. Foi o carimbo do meu
passaporte para a vida...
Saímos de Belém
ainda escuro. Cinco horas e uns caroços. Um vôo tradicional da Vasp. E ganhamos
o rumo do poente. Fizemos escalas em Altamira, Santarém e Manaus. Em todas as
paradas demos um jeitinho de sair do avião e bater umas fotos de modos que
registrássemos o lugar da escala, e sempre, a logomarca da Vasp (que alguns
anos mais tarde, desapareceria de nossos céus). Foram imagens importantes.
Marcaram a nossa trajetória. Eu tinha 19 anos. Era um bebê me arriscando a
ganhar o trecho. Comigo, companheiros, dos quais não me apartei até hoje. Ciro
Segtowich e Ronaldo Guimarães.
Precisava
trabalhar. Por isso estava naquele avião. Quando entrei na Escola Técnica, eu
só pensava em me formar, arrumar um emprego e ganhar 50 mil cruzeiros. Era
este, aliás, o grande atrativo da Escola naquela época: a gente já saía
empregado.
Colamos grau em Dezembro,
passamos as festas de final de ano, o carnaval, mas na quarta-feira de cinzas,
eu já estava no meu limite (não saíamos empregados?). Um estágio na UFPA havia
furado e eu tinha uma promessa para o interior do Estado. Não podia esperar. Precisava
trabalhar. Descendo a Escada do SIEE, encontrei o Ronaldo. A família dele toda
estava em Porto Velho. Com pouco mais chegou o Ciro. Fizemos uma avaliação do
cenário e tomamos a decisão. Vamos pra Rondônia. Lá havia ouro, muitas
minerações, uma família a nos abrigar. Minha tia Fabiana e o padre Lourenço
Bertolusso da Escola Salesiana me ajudaram com a passagem e uns cobres para
garantir os primeiros dias.
Quando pararam
os motores do avião, no aeroporto de Porto Velho e a escada desceu, a minha
vida começou a se definir (e a dar uma guinada). A Berna, irmã do Ronaldo, foi
nos buscar. Um sol espetacular brilhava sobre as águas do rio Madeira. Um calor
abafado cheio de saudades consumia o meu ânimo, a minha crença. Fomos recebidos
com muito carinho pela família Borges Guimarães. Cuidados nas precisões e
acomodados em um quarto de janelas amplas, ventilado. Dormi a tarde toda.
Na horinha que
acordei e percebi que meus pés pousaram em um solo que distava quase de 3.000
Km da Pedreira, pirei. Eu era amamãezado, igrejeiro, nunca havia saído de casa,
estava com um dinheirinho para três dias no máximo, havia deixado meus melhores
amigos em Belém. Muita pressão. A dor da saudade me abateu. Não resisti. Me
danei a chorar. Fui consolado durante três anos e meio por aquela família
maravilhosa.
Tirando meus
chiliquitos, deu tudo certo. Uma semana depois da nossa chegada estava
trabalhando.
Amanhã completo
32 anos de batalho ininterrupto como artífice das minas e dos processos (e não
é que eu seja velhinho não. Lembrem que eu era um bebê, naquele vôo da Vasp).
Tenho garantido minha sobrevivência, a educação dos meus meninos, o cumê nosso
de cada dia, exercitando meu talento como Técnico de Mineração. Os trinta e
dois anos contados amanhã resultam daquela decisão que tomamos na saída do SIEE.
São anos produzidos por aquele embarque ainda com o dia escuro e, muito
respeitosamente, pelo único documento comprobatório de alguma qualificação que
tenho: Meu diploma expedido pela Escola Técnica Federal do Pará, lugar donde,
numa quarta-feira de cinzas, desci as escadas e dei o primeiro passo no rumo do
poente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário