sábado, 21 de fevereiro de 2015

crônica da semana - doc comprobatório

Doc comprobatório
Sou um tipo muito ligado a datas. Dou o maior valor aos dias marcantes. Faço um xis na folhinha do ano para destacá-los e deles, busco sempre razões, boas lembranças, aprendizados. Este 22 de fevereiro, então, que este ano cai no domingo próximo vindouro, ou seja, amanhã, para mim é pra lá de especial. Foi o carimbo do meu passaporte para a vida...
Saímos de Belém ainda escuro. Cinco horas e uns caroços. Um vôo tradicional da Vasp. E ganhamos o rumo do poente. Fizemos escalas em Altamira, Santarém e Manaus. Em todas as paradas demos um jeitinho de sair do avião e bater umas fotos de modos que registrássemos o lugar da escala, e sempre, a logomarca da Vasp (que alguns anos mais tarde, desapareceria de nossos céus). Foram imagens importantes. Marcaram a nossa trajetória. Eu tinha 19 anos. Era um bebê me arriscando a ganhar o trecho. Comigo, companheiros, dos quais não me apartei até hoje. Ciro Segtowich e Ronaldo Guimarães.
Precisava trabalhar. Por isso estava naquele avião. Quando entrei na Escola Técnica, eu só pensava em me formar, arrumar um emprego e ganhar 50 mil cruzeiros. Era este, aliás, o grande atrativo da Escola naquela época: a gente já saía empregado.
Colamos grau em Dezembro, passamos as festas de final de ano, o carnaval, mas na quarta-feira de cinzas, eu já estava no meu limite (não saíamos empregados?). Um estágio na UFPA havia furado e eu tinha uma promessa para o interior do Estado. Não podia esperar. Precisava trabalhar. Descendo a Escada do SIEE, encontrei o Ronaldo. A família dele toda estava em Porto Velho. Com pouco mais chegou o Ciro. Fizemos uma avaliação do cenário e tomamos a decisão. Vamos pra Rondônia. Lá havia ouro, muitas minerações, uma família a nos abrigar. Minha tia Fabiana e o padre Lourenço Bertolusso da Escola Salesiana me ajudaram com a passagem e uns cobres para garantir os primeiros dias.
Quando pararam os motores do avião, no aeroporto de Porto Velho e a escada desceu, a minha vida começou a se definir (e a dar uma guinada). A Berna, irmã do Ronaldo, foi nos buscar. Um sol espetacular brilhava sobre as águas do rio Madeira. Um calor abafado cheio de saudades consumia o meu ânimo, a minha crença. Fomos recebidos com muito carinho pela família Borges Guimarães. Cuidados nas precisões e acomodados em um quarto de janelas amplas, ventilado. Dormi a tarde toda.
Na horinha que acordei e percebi que meus pés pousaram em um solo que distava quase de 3.000 Km da Pedreira, pirei. Eu era amamãezado, igrejeiro, nunca havia saído de casa, estava com um dinheirinho para três dias no máximo, havia deixado meus melhores amigos em Belém. Muita pressão. A dor da saudade me abateu. Não resisti. Me danei a chorar. Fui consolado durante três anos e meio por aquela família maravilhosa.
Tirando meus chiliquitos, deu tudo certo. Uma semana depois da nossa chegada estava trabalhando.

Amanhã completo 32 anos de batalho ininterrupto como artífice das minas e dos processos (e não é que eu seja velhinho não. Lembrem que eu era um bebê, naquele vôo da Vasp). Tenho garantido minha sobrevivência, a educação dos meus meninos, o cumê nosso de cada dia, exercitando meu talento como Técnico de Mineração. Os trinta e dois anos contados amanhã resultam daquela decisão que tomamos na saída do SIEE. São anos produzidos por aquele embarque ainda com o dia escuro e, muito respeitosamente, pelo único documento comprobatório de alguma qualificação que tenho: Meu diploma expedido pela Escola Técnica Federal do Pará, lugar donde, numa quarta-feira de cinzas, desci as escadas e dei o primeiro passo no rumo do poente.

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