45 bico largo
Uma provação. Uma
provocação...Fiz 45 anos, e agora?
Sinceramente, não estou
preparado para uma idade tão emblemática. Ter 4 ponto 5 é dispor-se a enfrentar
a idéia de que se está mais para o lado dos doirados 50 do que dos prateados 25
anos. É começar a contar o tempo em outra escala, não mais em anos. Agora a contagem
é em séculos. Estou
indo para meio século de existência. E isso é sério.
É barra essa história de
ficar mais velho. Mas eu, é porque sou besta mesmo de revelar a idade. A maioria
dos meus contemporâneos estacionou nos 40. E as pessoas nem maldam.
Eu, por mim, fico arrumando
atenuantes, aferindo aqui e ali para ver como tá a pegada: na cabeça, arejada,
moderninha, acho que tenho pouco mais de 30 anos; no coração, realmente, tá além,
o bichinho tá meio maltratado e a coisa anda pelos 40 e poucos mesmo; ali, na
marca do pênalti, sem mentira nenhuma, juro! Chuto uns 19 aninhos; nos joelhos,
algo perto de 65 anos, muito pela cirurgia que me tirou um dos meniscos e também
pelo peso, que apesar, de um regime forçado, nos últimos meses, ainda me está
acima das posses; se for tirar pela altura, reflito pueris 12 anos, a idade do
meu filho que já está do meu tamanho. Tirando um pelo outro, como diria minha
mãe, dá uma média de 33 anos.
Não é nada, não é nada, mas dá
aí pra ir convivendo com esta fantasia.
Cartola, numa das pérolas da
música brasileira disse que de cada amor herdaremos somente o cinismo. Creio
que o cinismo, também, é o legado que ganhamos com o passar dos anos. Além, é
claro, de algumas abstinências, dores adicionais nas juntas e a vista cada vez
mais curta.
E isso é dito e certo. Só
pra ilustrar, no dia do meu aniversário, dos convidados, todos ali na parelha
comigo em termos de longevidade, nenhum consumiu bebida alcoólica. Não rolou
uma gelada sequer. Quando ventilamos a possibilidade de mandar trazer umas duas
ali da esquina, para um brinde, foi mais quem deu pra trás alegando uma
restrição de estômago aqui, uma alergia ali, uma pequena cirurgia acolá. Se meu
médico souber, me engole, disse um que tava tomando antidepressivo. Um outro
cuidadoso disse que estava dirigindo e...
Mau sinal. Esta situação
impensada, até pouco tempo, só me abona a idéia de recorrer ao Cartola e ao
cinismo como uma saída para eventuais constrangimentos.
Algo de bom, porém, deve nos
apresentar a vida, para nos redimir dos pecados amealhados pela idade, para nos
mostrar que a fase não parece uma coisa bizarra como um sapato 45 bico largo.
Não.
O aprendizado, acho que é o
nosso troféu. Com o tempo passamos a entender mais as coisas. Por exemplo: a libido
para mim, deixou de me perturbar como um intrigante caso em que o artigo no
feminino se aboleta com o substantivo no masculino, resultando numa das mais
salientes silepses de gênero já registradas na língua portuguesa. A libido para
mim, passou a ser simplesmente uma conquista diária. Incontestável e
irrevogável.
Agora estou mais atento
mesmo é às questões de gênero. Arraigadamente atento. Às favas as silepses.
Mas, bom mesmo, foi no dia
do nevessário. Abracei os meus
colegas da Universidade, almocei camarão rosa na casa da Engenheira Paula
Fernanda, ganhei dois livros porretas num sorteio da rádio, encontrei a futura
bióloga Rutinha (um exemplar raro da morenice barcarenense, mas que ainda tá me
devendo uma pesquisa sobre aquela árvore lindona que tem no caminho da Federal),
que há muito eu não via, e apaguei 45 velinhas ao cair da noite, cercado das
pessoas que amo, e que por certo, me amam também...Com a casa decorada por singelos
balões amarelos.
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