Pé-de-galho, o mistério
continua
Certa
vez formamos contra os meninos da Passagem do Arame. Tinha um amigo que morava
lá, o Lourival, que estudava na Aparecida comigo, e ele reservou um horário e o
pneu número cinco para uma partida tira-cisma. Sabíamos que ali era a casa
deles. Sabíamos que havia uma trinca de garotos malinos que nem jogavam,
ficavam só arengando, triscando fogo ao largo. Eram figuras batidas nos
porradais do Areal. Mas topamos a parada. O juiz era nosso. Um colega que
morava atrás do Pará Clube e que naquele dia tava com uma bifede no peito do pé
e não podia chutar. Pé-de-galho foi simplesmente decisivo neste jogo. Parecia
que o pneu número cinco era maior que ele, mas quando ele dominava a bola e
avançava, as perninhas junteiras destruíam a mais sólida defesa. Numa dessas, a
bola sobrou e ele emendou de primeira. O goleiro deles rebateu, a bola fez um
passeio um pouquinho além da linha do gol e lá na frente, ele defendeu de novo.
Houve um instante de dúvida, mas no momento seguinte, nosso juiz correu pro
meio e confirmou: a bola entrou. Foi gol.
Pra
quê! A galera que estava fora e só queria um pé, partiu pra cima do nosso juiz.
E foi só a conta do alvoroço para que os nossos adversários se multiplicassem
furiosos e avançassem contra a gente. Não teve nem conversa. Saímos em
desabalada carreira, varando pela passagem do Arame com medo da peia dos
moleques malinos. Mas apesar do medo, Pé-de-galho gargalhava e gritava “gol”,
“golaço”. E olha, pernas pra que te quero, nessa hora não tinha que dissesse
que ele era junteiro.
Naquele
tempo as rédeas politicamente corretas não eram puxadas e a molecada não
atinava para as eiras das conveniências nem para as beiras da discrição. O
apelido foi atribuído ao garoto por causa das pernas juntinhas. Uma conformação
anatômica que aproximava bem os joelhos em ângulo obtuso divergente. A gente
percebia a colisão nos joelhos mais quando ele estava de calça comprida, o que
era raro. Mas sabe como é que é, né, teve um engraçadinho que sacou aquele
conflito no andar e tascou o apelido. Não mais vi esse menino, desde quando, no
final de mil novecentos e setenta e três, fui morar na casa 71 da Vila Mauriti.
Mas ele ficou comigo, na minha memória, nas carreiras felizes de superação que
ele dava atrás da bola pelos estirões da Visconde.
O
Areal fazia parte de um complexo esportivo forjado pelo povo. Era uma área
imensa, no final da Visconde de Inhaúma e fazia fronteira na porção Norte, com
o irrevogável igarapé do Zé. No final de semana, parecia um formigueiro de
tanto moleque fervilhando pelos quatro alastrados cantos. Limitando o Areal
aqui para as bandas da Marquês, ficava o campo do Asas do Brasil, palco dos disputadíssimos
campeonatos de bairro.
A
molecada se concentrava mesmo era no Areal, mas numa folga das competições da federação,
a gente aproveitava e invadia o campo do Asas. Até grama ele tinha. Traves com
redes e marcações do campo com cal (anos mais tarde, já pelo Internacional da
Mauriti, joguei neste campo bacana em torneios algo solenes, com organização,
tabela de jogos, súmulas, juízes de verdade e pés calçados com chuteiras).
Nestas
paradas em que Pé-de-galho era protagonista, a gente jogava ali era no peito e
na marra. Invadia, ocupava e resistia. O calibre da minha turma da Visconde era
de molequinho ainda e os grandes, de vez em vez, davam uma forra e deixavam a
gente fazer uma onda de pés descalços nos gramados.
Eu
disse aqui, uns sábados atrás, que o Pé-de-galho, de vera, não existiu. Mas,
ran ran ran! Enganei todo mundo. Pé-de-galho existiu sim.
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