Uma pessoa boa
Nas
últimas semanas, convivi, na rotina, com uma piada instigadora. Dizia que o
jeito era a gente mudar, melhorar a conduta, ganhar vaga no lado bom da força
porque, se não aguenta 10, 15 dias de calor intenso; no inferno, mergulhado na
fervura eterna é que não vai se dar. O jeito é lutar para ir pro céu.
Calha
dar atenção à dica. Pelo certo, experimentei este treino. Foram alguns dias
fora de casa passando por tudo em quanto de termos e jeitos de uma vida além dos
nossos costumes e das baixas latitudes. Vivência diferente daquela de férias ou
fugidinhas rápidas. Coisa mais comunitária. Enraizada. De ir à padaria todo
dia, à feira nas quintas, reclamar da coleta de lixo, cuidar com a pavimentação
deficitária e traiçoeira das ruas, levar um di cumê simples que seja para o
morador da calçada que ao nascer do sol, desarma seu nicho montado um pouco
adiante da escola tradicional do bairro. Um período vencido a cada instante e
motivado por um destaque, para nós paraenses, sem segredos. O calor.
Não
deveríamos estranhar. Mas estranhamos e sentimos os efeitos do calor, na tez,
no ânimo. Por outro lado, deu no aprendizado. São efeitos diferentes gerados
por eventos que não conhecemos. Nos batemos com fenômenos até então apenas títulos
distantes e específicos como sistema adiabático ou bloqueio atmosférico e até
mesmo cavados, ressurgência... Alarmes no telefone alertando sobre notações
térmicas extremas. Todos, nomes táticos compondo técnicas para explicar um céu
azul azul, sem nehuma nuvem por dias e dias. E um desconforto térmico de tirar
paraense da morga.
Quando
ouvimos, agora voltando para Belém, o piloto do avião anunciar que estava
descendo dos dez mil pés e que iniciava manobras de pouso, olhei pela janela o
pacote de nuvens densas que atravessaríamos até chegar ao solo. Detive o olhar,
dimensionei, aferi, estendi a visão ao maior alcance. Localizei tonalidades
diferentes de cinza. Sinais de chuva. Alertei minha companheira. Taí, para que
não via uma nuvem carregada faz tempo, temos aí embaixo um cardápio variado. A
turbulência ao atravessarmos aquela úmida camada nos avisava que estávamos em
outras latitudes, regressando aos nossos comuns dias amazônicos. Sob o comando
da zona de convergência intertropical, subordinados à dinâmica da
evapotranspiração e ao traçado climático equatorial que não nos deixam faltar,
de jeito e maneira, e em tempo nenhum, as nuvens no céu.
Contrastes,
particularidades, intimidades de um planeta que precisa ser cuidado.
Hora
de se pensar as contradições, as resultantes de impacto que as alterações
climáticas apresentam. Principalmente. E, é necessário que se der ênfase,
principalmente quanto à intensidade dos eventos (lembremos da fervura do
inferno). Precisamos urgentemente, diante do quadro de não retorno, de
reformularmos políticas públicas ambientais, sanitárias, estruturais, e muitas
no campo da engenharia. Precisamos entender como reestruturar as cidades para a
vida com temperaturas acima de 40 graus (ou alagamentos espetaculares ou
vendavais). O exemplo disso foi um acidente registrado em Magé, no Rio de
Janeiro, quando um trem descarrilou por causa da dilatação dos trilhos a partir
de uma temperatura medida na estrutura de 71 graus Celsius. Já pensou? Temos
que redimensionar materiais e técnicas. É uma corrida contra o tempo. A Europa,
por exemplo, que vem sofrendo com ondas de calor fortíssimas nos últimos anos,
já tem uma vanguarda de engenharia agindo. Novos conceitos urbanos de proteção e
reação, devem ser implementados com urgência para amenizar sofrimentos. O calor
mata.
As
conseqüências das mudanças climáticas são gravíssimas e a gente sentindo assim
de palmo em cima os efeitos de um bloqueio atmosférico, se enche de dor e
apreensão.
Mas
tem negacionista que diz poder pagar por tudo. Mesmo diante da fervura, queixa-se
ter dinheiro pra superar as alterações do clima. Não precisa sair de casa, tem
ar condicionado, não tem que pegar transporte público, submeter-se ao tórrido
dos dias e dos trilhos. Acha que já agora, liminarmente, usufrui do refrigério
do céu.
Essa crônica tem que estar em todos os meios de comunicação do mundo. Parabéns, Sodré!!
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