Levanta, sacode a poeira
Segundo
minha netinha, caí de maduro.
Coisa
que tenho mais zelo é evitar os tropeços da idade. Faço as minhas caminhadas,
academia, tento fortalecer os músculos, a cabeça e o esqueleto. Tanto cuidado,
tanto cuidado, enchinei foi com beira e desabei na calçada um dia desses sem
poder nenhum de reação.
Nenhum
machucado, a não ser um latejado na ponta do dedão do pé e uma vergoinha
difusa. Caiu um velho de quatro pernas.
Final
de tarde, saímos para espairecer e fugir do calor causticante que consome o
humor e torra os miolos aqui em terras cariocas. Um passeio na praça com a
netinha até a chegada da noite, que aqui, só acontece perto das 19 horas; a
ilusão de um alívio na temperatura e voltamos para casa. No meio do caminho,
aliás, em boa parte do caminho, o calçamento é deformado pela exposição ou
elevação de raízes das árvores que resistem à margem da rua. Por isso, em
muitos pontos a calçada se quebra e forma desníveis radicais. Num deles,
patetei, desviei o olhar e só senti o pé dando de encontra com uma face
saliente de pedra. Perdi o equilíbrio. E aí é que vem a parte da tensão e da
graça da Santa Nazinha nossa paraense. Minha netinha vinha andando de mãos
dadas com a gente, comigo e com a avó (o que faz parte da valência da Virgem de
Nazaré, já que na maioria das vezes, por causa da travessia da rua, ela vem no
meu colo). No entanto, mesmo a neta no chão, quando desequilibrei, senti que
podia puxá-las ela e Edninha, junto. E seríamos dois, três tombos de uma vez.
Na outra mão eu trazia uma sacola de supermercado com pequenas compras, mas com
força suficiente para me lançar para frente. Foi o que se deu. A sacola fez o
pêndulo e me tirou a possibilidade de reagir à queda. Mais que depressa quebrei
a correntinha que nos unia, larguei a mão da neta e desabei para frente. Tudo
aconteceu de uma forma bem cadenciada. Do jeito de uma cena em câmera lenta.
Tenho consciência de todas as etapas da queda. Acho que por causa de uma
sequência de movimentos que, particionados,
poderiam até evitar minha queda, mas por acasos desafortunados foram
neutralizados. Assim, pude medir e analisar o tombo e, olha só, este domínio da
cena me deu condição de definir o final daquele tropeção. Decidi por uma queda
digna em rolamento lateral. Tentasse evitar, o resultado seria bem pior, com
maior atrito, mais travas de corpo e tendência a deslizar e me ralar todo ou
sofrer uma luxação, fratura. O que fiz foi largar o corpo, fazer o giro e me
deixar levar. Uma queda espetacular, mas sem nada quebrado, sem sangue,
arranhões ou raladuras. Juntou gente, passantes, populares vieram ajudar, tive
aquela reação envergonhada sim, mas no frigir dos ovos considerava o fato
positivo de estar tudo pelo certo. Retomamos o caminho, nos permitimos umas
pilhérias já que estava tudo bem. A neta, ainda meio desconcertada saiu com
essa de o vovô caiu de maduro e relaxamos. Sacudi a poeira seguimos caminho
acreditando que vale a pena cuidar do corpo e, se caí, foi, em boa parte, culpa
de uma configuração urbana que nos abandona, os vovôs, mas também as crianças,
os adultos...
(Importa
sacudir a poeira e seguir em frente. Eu fico abismado quando alguém ataca a Educação.
E, nos tempos atuais tão sem tino, pipocam de todos os lados agressões. Quando
não atentam contra métodos, insultam professores; quando não negam políticas ou
diretrizes educacionais, solapam a carreira de educadores, encaminham reduções
em planos salariais. Acontece nos quatro cantos deste país. Aconteceu no Estado
da COP 30, na batida da campa do ano passado e foram ações que causaram
sofrimento, frustrações e dor. O que aconteceu no Pará foi um caso claro de
queda que resultou em muitos arranhões. Mas por outro lado, gerou resistência.
Quem acredita que a educação muda vidas levantou, sacudiu a poeira e agora, segue
em frente).
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