Imagens maravilhosas
Isso
é que dá mudar o programa em cima da hora. Logo eu que sou chato pra essas
coisas. Não me avio com saídas além dos trilhos. Me apraz o roteiro todo
certinho calculado na introdução, desenvolvimento e conclusão, inclusive com a
certificação de lanchinho para dar sustância, no entremeio da programação e
transporte à hora para voltar pra casa. O que ocorreu é que mudamos o plano.
A
idéia era fazer um traçado de visita aos museus do centro. Desconcentramos e
quando demos fé, já era de tarde. Fiz a conta, deduzi os novesfora e concluí
que não iria dar tempo. O objetivo era esticar o que desse e concluir o
itinerário na Pequena África. Só que já chegaríamos lá ao cair da tarde, com
tempo mínimo para conhecer. E lá não pode ser com pressa, muito da história de africanos
escravizados está ali. No rumo do metrô, alteramos o passeio. Decidimos pelo tradicional,
e de forma alguma descartável, pôr do sol na pedra do Arpoador. Uma boa, até
porque ainda não havíamos acompanhado o cair da tarde nesta época do ano, de
solão de rachar. A mim, especialmente interessou a possibilidade de registrar a
distância de ocultação do sol com relação ao morro Dois Irmãos, agora pelo
verão e caminhando o astro-rei para o Equinócio. Sou metido a apreciar e
entender esses detalhes astronômicos, né.
Tudo
pelo certo, chegamos ainda com o sol ardendo no cocuruto. No caminho para o
Arpoador, resolvemos fugir dos raios UV e demos um tempo espairecendo pelo
parque Garota de Ipanema, que fica ao pegado da pedra. Sentamos num banco para
apreciar o movimento, nisso, demos com uma placa indicando a localização de um
mirante, com desenho de mapa e texto estimulando a subida até lá: “você fará
fotos maravilhosas”.
Titubeamos.
A ladeira era bem inclinada. Pouca sombra no caminho. Mas ousamos explorar.
Reforçamos a camada de protetor solar e rumamos pra riba. Um jovem casal que
também estava na dúvida, quando nos viu partir, partiu atrás. Fizemos duas
paradas para descansar e aproveitar uma nesguinha de sombra dos poucos ramos de
árvores que se projetavam sobre a rampa. Passaram à frente e quando varamos no
mirante eles já estavam lá expostos àquela luminosidade de encandear e torrando
no sol. Aquele ambiente, pelo menos naquela hora do dia, não expressava o que
dizia a placa. Até que tínhamos uma visão de parte da praia de Ipanema, mas
para captar uma imagem boa exigia uma ciência que não tínhamos. A luz intensa
empastelava pra valer e estourava nossas fotos. Foi quando identificamos uma
trilha se estendendo sobre a mata remanescente, à ombreira do morro. Deduzimos
que pra’quele lado talvez houvesse outro mirante ou coisa outra aprazível que
justificasse o arrazoado da placa. Nos embrenhamos.
Éramos
só nós dois, eu e minha companheira Edna, nos deslocando naquela picada. As
pessoas já garantindo lugar lá embaixo na pedra para contemplar o pôr do sol e
a gente inventando marmota de explorar, de buscar fotos maravilhosas.
Mais
adiante, bateu o medo comedido. É que, no repente, identificávamos alguém
naquele estirão solitário. Aqui, um casal de rapazes sempre à margem do
caminho, com um olhar desviado; ali, uma turma desconfiada. Alguns quando nos
viam, entravam mais do que depressa na mata. Eu tentava demonstrar calma à minha
companheira, dado o contexto. A gente não é da barra, não conhece as manhas...
lugar ermo, e quem aparece se esconde ou recolhe o olhar em silêncio. E com
jeito de que não estavam ali atrás de fotos maravilhosas. Estranhamos. Eu sei
que é errado a gente maldar. Não minto não. Teve momento que deu vontade de
sair dali nas carreiras.
Quando
avistamos a saída lá embaixo, pensei que, o que estivessem fazendo, fosse da
parte do amor e do carinho, era melhor que continuassem, afinal não estávamos
ali para julgar ninguém, somente para captar imagens maravilhosas.
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