sábado, 15 de fevereiro de 2025

crônica da semana - imagens maravilhosas arpoador

 Imagens maravilhosas

Isso é que dá mudar o programa em cima da hora. Logo eu que sou chato pra essas coisas. Não me avio com saídas além dos trilhos. Me apraz o roteiro todo certinho calculado na introdução, desenvolvimento e conclusão, inclusive com a certificação de lanchinho para dar sustância, no entremeio da programação e transporte à hora para voltar pra casa. O que ocorreu é que mudamos o plano.

A idéia era fazer um traçado de visita aos museus do centro. Desconcentramos e quando demos fé, já era de tarde. Fiz a conta, deduzi os novesfora e concluí que não iria dar tempo. O objetivo era esticar o que desse e concluir o itinerário na Pequena África. Só que já chegaríamos lá ao cair da tarde, com tempo mínimo para conhecer. E lá não pode ser com pressa, muito da história de africanos escravizados está ali. No rumo do metrô, alteramos o passeio. Decidimos pelo tradicional, e de forma alguma descartável, pôr do sol na pedra do Arpoador. Uma boa, até porque ainda não havíamos acompanhado o cair da tarde nesta época do ano, de solão de rachar. A mim, especialmente interessou a possibilidade de registrar a distância de ocultação do sol com relação ao morro Dois Irmãos, agora pelo verão e caminhando o astro-rei para o Equinócio. Sou metido a apreciar e entender esses detalhes astronômicos, né.

Tudo pelo certo, chegamos ainda com o sol ardendo no cocuruto. No caminho para o Arpoador, resolvemos fugir dos raios UV e demos um tempo espairecendo pelo parque Garota de Ipanema, que fica ao pegado da pedra. Sentamos num banco para apreciar o movimento, nisso, demos com uma placa indicando a localização de um mirante, com desenho de mapa e texto estimulando a subida até lá: “você fará fotos maravilhosas”.

Titubeamos. A ladeira era bem inclinada. Pouca sombra no caminho. Mas ousamos explorar. Reforçamos a camada de protetor solar e rumamos pra riba. Um jovem casal que também estava na dúvida, quando nos viu partir, partiu atrás. Fizemos duas paradas para descansar e aproveitar uma nesguinha de sombra dos poucos ramos de árvores que se projetavam sobre a rampa. Passaram à frente e quando varamos no mirante eles já estavam lá expostos àquela luminosidade de encandear e torrando no sol. Aquele ambiente, pelo menos naquela hora do dia, não expressava o que dizia a placa. Até que tínhamos uma visão de parte da praia de Ipanema, mas para captar uma imagem boa exigia uma ciência que não tínhamos. A luz intensa empastelava pra valer e estourava nossas fotos. Foi quando identificamos uma trilha se estendendo sobre a mata remanescente, à ombreira do morro. Deduzimos que pra’quele lado talvez houvesse outro mirante ou coisa outra aprazível que justificasse o arrazoado da placa. Nos embrenhamos.

Éramos só nós dois, eu e minha companheira Edna, nos deslocando naquela picada. As pessoas já garantindo lugar lá embaixo na pedra para contemplar o pôr do sol e a gente inventando marmota de explorar, de buscar fotos maravilhosas.

Mais adiante, bateu o medo comedido. É que, no repente, identificávamos alguém naquele estirão solitário. Aqui, um casal de rapazes sempre à margem do caminho, com um olhar desviado; ali, uma turma desconfiada. Alguns quando nos viam, entravam mais do que depressa na mata. Eu tentava demonstrar calma à minha companheira, dado o contexto. A gente não é da barra, não conhece as manhas... lugar ermo, e quem aparece se esconde ou recolhe o olhar em silêncio. E com jeito de que não estavam ali atrás de fotos maravilhosas. Estranhamos. Eu sei que é errado a gente maldar. Não minto não. Teve momento que deu vontade de sair dali nas carreiras.

Quando avistamos a saída lá embaixo, pensei que, o que estivessem fazendo, fosse da parte do amor e do carinho, era melhor que continuassem, afinal não estávamos ali para julgar ninguém, somente para captar imagens maravilhosas.

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