sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

crônica da semana - noite em ipanema

 Noite em I(tu)panema

Juro que nunca mais vou reclamar do calor de Belém. Égua do calor que suportei quase não suportando aqui no Rio de janeiro nessa última semana. De correr doido igual ao de Belém? Sim. De dar pilora e malemolência? Sim. De fritar ovo no asfalto? Sim. Estas particularidades da quentura todas estamos é passados na casca do alho. Nós, os paraenses, tiramos de boa. Mas tem um quê. Um plus, o calor do Rio. Não sei explicar. Falo por mim. Fui envolvido em um desânimo, uma panemice. Durante todo o tempo de altas temperaturas hibernei. Não achei coragem pra nada. Só para um banho tático aqui e ali pra refrescar o corpo e mais nada. Inclusive durante a noite quando o calor mormacento  porfia com o dia de potências ígneas. Parei pra ti, olha, RJ, jamais pensei que fosse sentir saudade do calor de Belém. Só para ilustrar, acompanhei as medições de temperatura a cada instante por aqui. Nos instrumentos localizados na estação de Irajá, aqui perto, houve registro de temperatura cravado em 41 graus com sensação térmica de 46. E eu, mofino.

Só tornei agora, de domingo pra cá, quando, como diz o povo por aqui, ficou mais fresco.

Desde então, retornamos a um clima humanizado. E aí, se der uma folga, o RJ arrasa em várias frentes.

É a primeira vez que fico tanto tempo por aqui. Tenho outras passagens. O certo e cravado é que de férias, de boa na lagoa a vida por cá é uma coisa. Se o caso é de morar ou de alta permanência, a coisa muda. A gente sente mais a cidade, os dramas se realizam mais perto da gente. O cuidado com o controle de gastos é maior. Embora eu me envolva em tudo como morador, não tenho as manhas ainda. Não conto ainda com as dicas de feiras e supermercados mais em conta, pontos de cultura com ingressos franqueados ou abaixo do mercado. Até mesmo o transporte exige atenção. Há, com relação a Belém, uma oferta maior de mobilidade. No entanto se eu não for rapaz, em duas voltas de metrô meu orçamento de transporte do dia leva o farelo. E tem um calor único, específico, diferente do que conhecemos. Impiedoso.

Até fui à praia para aplacar os efeitos desse forno natural, do qual não se escapa. Mas sabe como é né, as minhas surpresas, os meus enfrentamentos não cessam. No pico das altas temperaturas, a areia da praia estava de queimar a sola do pé mais cascudo. Entretanto, a água do mar estava beirando os 16 graus. Quando fiz menção de pegar uma ondinha, ao contato mínimo com a água, fiquei estatuinha da silva. Em choque. Da cintura pra baixo meu corpo se aperreou num quase congelamento, além da cintura os miolos torrando. Pirei na maré. Até me acostumar com essa arrumação de quente/frio, custou. Não o tanto de ensejar um mergulho. Fiquei só no salpicadinho da água friínha lançada com as mãos sobre a cabeça. Arremedando um asseio nos dias plúmbeos de Belém.

É daquele jeito do Brasil. Tudo tem sua compensação. Agora pela passagem do aniversário de Tom Jobim, houve uma vasta programação na praia de Ipanema (que eu por um comichão onomástico, por uma insubordinação toponímica ou mesmo por uma afirmação de origem, de forma que me conforte a distância e me faça sentir em casa, me permito rebatizar de praia de I(tu)panema). No domingo, clima apascentado, varei lá, à noitinha. Lembrei a primeira vez que viemos aqui. Nossa família. De férias. Durante a viagem, não parei de cantarolar: “ a minha alma canta/vejo o Rio de janeiro...”. O Samba do Avião compôs o repertório da programação no domingo. Assistimos de longe, seu Jorge cantar, de vez em vez no pegamos molhando os pés no tapetinho de água trazido pelas ondas, dessa vez acomodada em agradável equilíbrio térmico. Ao fundo, a noite transparente, a franja iluminada do Vidigal, o perfil ondulado sempre visível, mesmo no contra-luz, do morro Dois Irmãos. A plástica perfeita. A sonoridade irresistível. A cidade maravilha. Do quente/frio.

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