O zap da Pedreira
Justo,
muito justo o cuidado com a regulação das redes sociais. Há, sem dúvida, uma
despudorada legião de gente mal intencionada que se aproveita do largo alcance
das informações para divulgar o ódio, o preconceito, a mentira. Tem gente
especializada em promover o caos tão logo um fato por menor que seja ganhe
algum relevo. Com a agilidade das ferramentas virtuais, é num trisca que a
cabeça da gente fica atrapalhada de tanto que é atacada por versões das mais
loucas viajando pelas redes. O cidadão comum se vê, em determinado momento, impotente
para fazer um juízo sobre os casos que lhe cabem.
Vivemos
um tempo em que o contato distante, não reconhecido, não palpável, sob o
domínio das nuvens cibernéticas substituiu a aproximação de pele, de olhos, as
conversas de pé de ouvido ou de calçada.
Em
outras épocas lorota morria logo ali na rodinha que se formava na calçada do
Paraíso. Nenhum indício ficava sem confirmação. Especulação era sempre checada.
A pauta era vasta e pertinente. A reuniãozinha que minha patota realizava toda
noite na calçada do Cine Paraíso era o nosso zap da Pedreira. Ali se sabia de
tudo na maior retidão, sem arredar um isso da verdade, mesmo que doesse.
Morei
um tempo em um trecho da Mauriti tido como núcleo forte da burguesia do bairro.
Era um menino pobrezinho da América Latina entre os ricos da rua. Moravam ali
naquele quarteirão os próprios donos do Paraíso, advogados renomados, o coronel
Bahia, Zé Paulo, nosso eterno vereador... Permeando o alto clero, tínhamos pelo
menos três gerações abaixo protagonizando o dia a dia da rua. Os grandes,
representados pela rapaziada já avançando na juventude, alguns namorando ou
trabalhando, outros freqüentando a universidade, mas numa horinha ou outra
criando emoções nos jogos disputados de futebol contra adversários de outras ruas
ou nas festas de época do Santa Cruz. Havia a petizada, energizada pela plena
infância. Eram os pequenos que estudavam no Donatila, saiam pouco pra pista, se
concentravam em brincadeiras pueris nas Vilas Mauriti e Vila Bezerra, entretanto,
quando os grandes apostavam mais de cem petecas no triângulo, assistiam e
presenciavam a tensão da disputa, mas atentos mesmo estavam era para a hora do
alaússa, quando se metiam no meio da confusão, catavam quantas podiam do chão e
formavam um pequeno capital de petecas para brincadeiras menos nervosas com os
molequinhos do mesmo top.
Quem
dominava o movimento da rua era a turma intermediária composta por um grupo que
estudava no Justo, Escola Técnica, vivia de bola em vários campinhos da cidade,
inclusive, nas áreas recém descobertas no entorno da Augusto Montenegro. A
minha patota. Estávamos ali, saindo da adolescência. Não éramos os grandes, com
desafios mais refinados e nem os molequinhos pequenos. Vivíamos a mudança do
corpo, da voz e nos entusiasmávamos com o aumento da potência do chute em
momentos necessários nas partidas de futebol dos sábados lá pelas granjas com
campinho que se espalhavam no estirão depois do Mangueirão.
Nossa
rotina compreendia, depois da escola ou do futebol, a reunião toda noite em
frente ao Cinema Paraíso. O grupo se formava antes da primeira sessão. Todo
mundo se aprontava. Vestia uma camisa de meia, um short de fio, passava um
talco no pescoço, se juntava e se exibia na calçada. Ali vários temas eram
tratados. Contávamos os casos passados na rua, avaliávamos a freqüência do
Centro 3, revisávamos a programação de bola da semana e nos dávamos a tesourar.
O costume era pegar um cristo da rua para dissecar a conduta e a personalidade.
Sem ofensa ou preconceito. Era apenas a elaboração do perfil dos moradores da
rua. Como acontece nos zaps da vida hoje.
Comentários
e informações que, mesmo se doesse, deveriam ser pautadas na maior retidão, sem
arredar um tico da verdade. Aqui, ali, a gente falava do filme da noite.
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