quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

crônica da semana - zap da pedreira

 O zap da Pedreira

Justo, muito justo o cuidado com a regulação das redes sociais. Há, sem dúvida, uma despudorada legião de gente mal intencionada que se aproveita do largo alcance das informações para divulgar o ódio, o preconceito, a mentira. Tem gente especializada em promover o caos tão logo um fato por menor que seja ganhe algum relevo. Com a agilidade das ferramentas virtuais, é num trisca que a cabeça da gente fica atrapalhada de tanto que é atacada por versões das mais loucas viajando pelas redes. O cidadão comum se vê, em determinado momento, impotente para fazer um juízo sobre os casos que lhe cabem.

Vivemos um tempo em que o contato distante, não reconhecido, não palpável, sob o domínio das nuvens cibernéticas substituiu a aproximação de pele, de olhos, as conversas de pé de ouvido ou de calçada.

Em outras épocas lorota morria logo ali na rodinha que se formava na calçada do Paraíso. Nenhum indício ficava sem confirmação. Especulação era sempre checada. A pauta era vasta e pertinente. A reuniãozinha que minha patota realizava toda noite na calçada do Cine Paraíso era o nosso zap da Pedreira. Ali se sabia de tudo na maior retidão, sem arredar um isso da verdade, mesmo que doesse.

Morei um tempo em um trecho da Mauriti tido como núcleo forte da burguesia do bairro. Era um menino pobrezinho da América Latina entre os ricos da rua. Moravam ali naquele quarteirão os próprios donos do Paraíso, advogados renomados, o coronel Bahia, Zé Paulo, nosso eterno vereador... Permeando o alto clero, tínhamos pelo menos três gerações abaixo protagonizando o dia a dia da rua. Os grandes, representados pela rapaziada já avançando na juventude, alguns namorando ou trabalhando, outros freqüentando a universidade, mas numa horinha ou outra criando emoções nos jogos disputados de futebol contra adversários de outras ruas ou nas festas de época do Santa Cruz. Havia a petizada, energizada pela plena infância. Eram os pequenos que estudavam no Donatila, saiam pouco pra pista, se concentravam em brincadeiras pueris nas Vilas Mauriti e Vila Bezerra, entretanto, quando os grandes apostavam mais de cem petecas no triângulo, assistiam e presenciavam a tensão da disputa, mas atentos mesmo estavam era para a hora do alaússa, quando se metiam no meio da confusão, catavam quantas podiam do chão e formavam um pequeno capital de petecas para brincadeiras menos nervosas com os molequinhos do mesmo top.

Quem dominava o movimento da rua era a turma intermediária composta por um grupo que estudava no Justo, Escola Técnica, vivia de bola em vários campinhos da cidade, inclusive, nas áreas recém descobertas no entorno da Augusto Montenegro. A minha patota. Estávamos ali, saindo da adolescência. Não éramos os grandes, com desafios mais refinados e nem os molequinhos pequenos. Vivíamos a mudança do corpo, da voz e nos entusiasmávamos com o aumento da potência do chute em momentos necessários nas partidas de futebol dos sábados lá pelas granjas com campinho que se espalhavam no estirão depois do Mangueirão.

Nossa rotina compreendia, depois da escola ou do futebol, a reunião toda noite em frente ao Cinema Paraíso. O grupo se formava antes da primeira sessão. Todo mundo se aprontava. Vestia uma camisa de meia, um short de fio, passava um talco no pescoço, se juntava e se exibia na calçada. Ali vários temas eram tratados. Contávamos os casos passados na rua, avaliávamos a freqüência do Centro 3, revisávamos a programação de bola da semana e nos dávamos a tesourar. O costume era pegar um cristo da rua para dissecar a conduta e a personalidade. Sem ofensa ou preconceito. Era apenas a elaboração do perfil dos moradores da rua. Como acontece nos zaps da vida hoje.

Comentários e informações que, mesmo se doesse, deveriam ser pautadas na maior retidão, sem arredar um tico da verdade. Aqui, ali, a gente falava do filme da noite.

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