sábado, 25 de janeiro de 2025

crõnica da semana - que forma é essa -vovozando

 Que forma é essa?

Já faz um tempo que nosso filho falou as primeiras palavras, 26, 27 anos, por aí assim. Com um intervalo de dois anos a seguir, foi minha filha a elaborar as pronúncias pioneiras e divertidas. Fazendo uma redução ao denominador comum, tiro que distam mais de vinte anos a minha convivência com essas iniciações expressivas das crianças. Daí que esqueci como é. Compreensivelmente, ante tantas outras descobertas, não guardei minhas reações, meus entusiasmos, meus deslumbres, meus encantamentos com aquela fase. Mesmo porque, registros de versões super autênticas de canções de roda que gravei numa K-7 em instantes únicos de minha filha ou os arranjos fonéticos de meu filho construídos quando chegou de uma visita ao Museu Emílio Goeldi relatando que viu o mamaco, a oncha, a tatauga, não atravessaram este tempinho de espera e foram consumidos pelas intempéries ou por uma arrumação menos romantizada das utilidades do lar. Acontece que agora, com a netinha, voltou tudo! Meus abismamentos e surpresas não têm nem tempo de um respiro. São encarreirados.

Um dia desses acompanhei a saída de minha neta para o primeiro dia de escola. Tinha dois anos e uma poeirinha além. E já naquele dia, desmontei todo quando, de mochilinha na costa, mão dada com a mãe, se adiantou pela porta e se despediu com um ‘tiau vovô’.

Eis que seis meses depois, visitando a netinha em seus domínios cariocas, quedei-me bestinha da silva, ao me ver diante de um caderno preenchido com várias figuras geométricas e ela, beirando completar 3 anos, na segurança e no comando dos conhecimentos, ávida me desafiando a acertar o nome dos desenhos. Que forma é essa vovô? E antes que eu me aviasse, na certeza irrefreável, emedava na resposta: quadrado!

Gente da minha alma, só fui dominar as formas geométricas clássicas poucos dias antes de me apresentar na Aparecida para as primeiras lições da Primeira Atrasada. E olha, perto dos sete anos! E foi um custo aprender o nome de uma ao menos. Como esta pequenina já sabe estas coisas? Triângulo. Aponta ela para outra figura e capricha na sonoridade: “Triângulo”. A capacidade de articular as palavras, dominar os sentidos, fazer conexões entre elas e lustrar de detalhes uma dicção que compense pendências sonoras da idade é outra face do desenvolvimento que me deixa pra lá de admirado.

Tudo bem que tem muito de vovozice nestes meus arrebatamentos. São evoluções comuns nesta idade que se manifestam em todas as crianças, e, é certo, bem lapidadas nas crianças de hoje em dia. Resultam da interação com os pais, família, escola, vivências diversas, atividades bioquímicas, cognitivas velozes. E se a memória me ajudasse... se eu ainda tivesse a fita K-7, também poderia identificar estes mesmos índices, contemporizados, no pai dela, na tia quando tinham a mesma idade. Penso que é o momento atual que me chama, que me aborda e me leva a estes doces deslumbres. Devo fazer uma atualização e tocar o barco de vovozinho, atento, consciente, e me divertindo pacas.

Essa é a meta. Morando distante, não temos todo o tempo pra ficar com a netinha. Agora, aproveitando o recesso de fim de ano, nos programamos. E é uma delícia! A cada dia uma descoberta, todo dia muito carinho. Tempo integral de afeto, muito dengo. Aprendizado mútuo e encantamentos.

Agradeço ao bom Deus pela oportunidade de participar desta fase da netinha. Momentos decisivos, de responsabilidade, donde não podemos falar ou fazer qualquer coisa perto dela. É um período de fácil apreensão, de reprodução do que percebem e de elaborações, eliminação de óbvios. Outro dia, quando acionado para recuperar uma bolsinha lilás caída atrás do sofá, perguntei pra que ela queria aquela bolsa. “para guardar coisas dentro, ora”.

É a fase que nos mostra que algumas dúvidas, muitos questionamentos que fazemos, não fazem o menor sentido.

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