Que forma é essa?
Já
faz um tempo que nosso filho falou as primeiras palavras, 26, 27 anos, por aí
assim. Com um intervalo de dois anos a seguir, foi minha filha a elaborar as
pronúncias pioneiras e divertidas. Fazendo uma redução ao denominador comum,
tiro que distam mais de vinte anos a minha convivência com essas iniciações
expressivas das crianças. Daí que esqueci como é. Compreensivelmente, ante
tantas outras descobertas, não guardei minhas reações, meus entusiasmos, meus
deslumbres, meus encantamentos com aquela fase. Mesmo porque, registros de
versões super autênticas de canções de roda que gravei numa K-7 em instantes
únicos de minha filha ou os arranjos fonéticos de meu filho construídos quando
chegou de uma visita ao Museu Emílio Goeldi relatando que viu o mamaco, a
oncha, a tatauga, não atravessaram este tempinho de espera e foram consumidos
pelas intempéries ou por uma arrumação menos romantizada das utilidades do lar.
Acontece que agora, com a netinha, voltou tudo! Meus abismamentos e surpresas
não têm nem tempo de um respiro. São encarreirados.
Um
dia desses acompanhei a saída de minha neta para o primeiro dia de escola.
Tinha dois anos e uma poeirinha além. E já naquele dia, desmontei todo quando,
de mochilinha na costa, mão dada com a mãe, se adiantou pela porta e se
despediu com um ‘tiau vovô’.
Eis
que seis meses depois, visitando a netinha em seus domínios cariocas, quedei-me
bestinha da silva, ao me ver diante de um caderno preenchido com várias figuras
geométricas e ela, beirando completar 3 anos, na segurança e no comando dos
conhecimentos, ávida me desafiando a acertar o nome dos desenhos. Que forma é
essa vovô? E antes que eu me aviasse, na certeza irrefreável, emedava na
resposta: quadrado!
Gente
da minha alma, só fui dominar as formas geométricas clássicas poucos dias antes
de me apresentar na Aparecida para as primeiras lições da Primeira Atrasada. E
olha, perto dos sete anos! E foi um custo aprender o nome de uma ao menos. Como
esta pequenina já sabe estas coisas? Triângulo. Aponta ela para outra figura e
capricha na sonoridade: “Triângulo”. A capacidade de articular as palavras,
dominar os sentidos, fazer conexões entre elas e lustrar de detalhes uma dicção
que compense pendências sonoras da idade é outra face do desenvolvimento que me
deixa pra lá de admirado.
Tudo
bem que tem muito de vovozice nestes meus arrebatamentos. São evoluções comuns
nesta idade que se manifestam em todas as crianças, e, é certo, bem lapidadas
nas crianças de hoje em dia. Resultam da interação com os pais, família,
escola, vivências diversas, atividades bioquímicas, cognitivas velozes. E se a
memória me ajudasse... se eu ainda tivesse a fita K-7, também poderia
identificar estes mesmos índices, contemporizados, no pai dela, na tia quando
tinham a mesma idade. Penso que é o momento atual que me chama, que me aborda e
me leva a estes doces deslumbres. Devo fazer uma atualização e tocar o barco de
vovozinho, atento, consciente, e me divertindo pacas.
Essa
é a meta. Morando distante, não temos todo o tempo pra ficar com a netinha. Agora,
aproveitando o recesso de fim de ano, nos programamos. E é uma delícia! A cada
dia uma descoberta, todo dia muito carinho. Tempo integral de afeto, muito
dengo. Aprendizado mútuo e encantamentos.
Agradeço
ao bom Deus pela oportunidade de participar desta fase da netinha. Momentos
decisivos, de responsabilidade, donde não podemos falar ou fazer qualquer coisa
perto dela. É um período de fácil apreensão, de reprodução do que percebem e de
elaborações, eliminação de óbvios. Outro dia, quando acionado para recuperar
uma bolsinha lilás caída atrás do sofá, perguntei pra que ela queria aquela
bolsa. “para guardar coisas dentro, ora”.
É
a fase que nos mostra que algumas dúvidas, muitos questionamentos que fazemos,
não fazem o menor sentido.
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