sábado, 30 de novembro de 2024

crônica da semana - Macapá

 São José de Macapá

Há tempos que fico num pé e noutro pra dar um rolezinho em Macapá. A turma aqui em casa, saindo de banda. Toda vez que batia a saudade, pelejava e nada. Dá-se que agora, por estes novos rumos, alinhamos. Tá combinado. Vamos nos programar.

Dou maior valor a Macapá, afinal, foi lá que o futuro se assanhou pra mim. Trabalhei numa mineração de ouro. E ouro paga bem. Por esse tempo, estava me ajeitando pra formar uma família. Juntei as escovas de dentes com minha companheira, formamos um patrimônio inicial com uma rede e um rádio e a bom a gente planejar. Foi a primeira vez, em dez anos me embrenhando pelas matas amazônicas, que abri uma poupança. No primeiro rendimento, olha o que acrescentei aos nossos teres. Uma máquina Olivetti Lettera e uma câmera fotográfica Canon. A máquina de datilografia era aquela portátil, que arremedava uma maletinha quando fechava. Útil e prática. A câmera fotográfica era um sonho. Marca conhecida, lentes com zoom de 24 a 50mm, fotômetro de velocidade, controladores de ISO e abertura do diafragma. Tinha até a velocidade B, do obturador.

Uma surpreendente guinada a objetos de consumo. O normal era a gente usar o recurso financeiro para as precisões comuns a um casal recém-juntado. Só que tinha na parada, as nossas extravaganciazinhas da idade, uma pitadinha de experimentação e umas contas atrasadas em certas habilidades, como datilografar com os dez dedos, por exemplo. Havia a pretensão do treino nas teclas da Olivetti e belas fotos.

Desde que tempo eu era um apreciador de fotografia, mas o dindim só dava para equipamentos simples. Até uma Love eu operei e, que superação! Fiz registros de Xapuri, do jazigo de meu pai, da sede do sindicato dos trabalhadores rurais, dos barrancos do rio Acre e da casa do Chico Mendes, com ela. A Love era reciclável. Quando completava as poses, levava na loja e trocava por outra. Depois e durante muito, muito tempo mesmo, me virei com uma Olympus Trip 35mm. As imagens que guardo até hoje dos rincões da BR 174, das corredeiras do Xingu, do sorriso metálico da Mad Maria, dos trilhos equatoriais da ferrovia que se estende de Santana até a Serra do Navio, da alma de muita gente, capturei com minha Olympus e revelei em formatos duplicados. Isso que dizer que um filme de 36 poses rendia 72 fotos. Quando chegou a Canon, aposentei a velha Olympus e a criançada de casa acabou descobrindo os cliques e os mecanismos de abertura internos que eram legaizinhos de ver funcionando. Resultado é que esbandalharam a bichinha que não se segurou íntegra sequer para atestar a história.

Já minha Olivetti, só larguei pelo computador. A pequenina resistiu até a batida da campa. Diga-se que, em plena era digital, meu primeiro livro, O “Operário em verso e prosa” foi todo batido na minha Olivetti Lettera. A máquina, inclusive, compõe a capa do livro.

Era uma forra. Minha companheira até possuía o diploma do curso da professora Sinhá, que era na Lomas. Não praticou. Aquela era a chance.

Eu, por mim, tinha uma cisma. Nunca havia tentado uma missão mais assim de responsa nos teclados. Até arriscava, na Escola Salesiana, nas edições do nosso jornal “O Caminho”, mas como era um jornal mensal, não maldava pra ligeireza, margem, espaço, essas coisas. Deu-se que passei a maior vergonha quando fui fazer um teste num jornal de verdade. O editor me deu um texto pra refazer, bem pertinho de uma da tarde. Era uma máquina de carro longo, pesado. Deu a hora e eu ainda estava catando milho com a lauda toda troncha, margem torta, linha engolindo linha e nem falo do conteúdo, desapegado da narrativa jornalística. Fracasso total. A Valência é que veio o computador e do nada, dois dedos garantem hoje este texto na boa. E não tem carro.

Em Macapá, vivi alguns dos meus melhores dias. Quando bate a saudade, fico num pé e noutro pra voltar lá. Tá no plano.  

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