O próximo episódio
A
turma aqui de casa ficou uma pá de tempo a bom me encarnar por causa das minhas
noites procurando o cometa.
Foi
anunciado, nomeado e datado. Acompanhei nas páginas credenciadas os registros e
procurei as melhores datas previstas para as aparições cá ao norte do Brasil.
Reinstalei um aplicativo de mapa celeste no celular, identifiquei a trajetória
do cometa e os astros que poderiam servir de referência. Vênus, o ponto mais
brilhante no céu logo após o sol desaparecer era o indicador. Dali, era só
traçar uma linha pra norte e...
Dava
a hora, eu ia pra janela. É certo, atinei para as recomendações, sabia que a
iluminação da cidade iria inviabilizar a observação, mas a vontade se sobrepôs
à coerência dos fatos e me deixei levar pela patetice reativa e por vezes, pelas
fantasias (criei vários cometas no céu de Belém, todos sem a cauda brilhante).
Essa minha campana aconteceu em dias encarreirados desde o fim de setembro até
uma beirinha de outubro.
Não
vi foi piriricas de nada. Rolou, é certo, uma frustração. Ver coisa nova no céu
é, sem dúvida, uma experiência enriquecedora do ponto de vista do conhecimento
e também do prazer (quando tem fogos a gente não acha bacana?). No entanto,
nada de me derrubar as muralhas. Mesmo porque, sou rapaz. Passado na casca do
alho. Já vi um cometa. E contemplei por um bom tempo, porque o Hale-Bopp charlou a valer pelo
nosso céu há 26 anos.
Esta
semana, voltei à janela. Tenho que garantir uma informação que dei aqui há
alguns anos. Disse que Vênus não atravessa o céu. É o astro mais brilhante do firmamento,
depois do sol e da lua. Se a gente pegar o sol, durante o dia e a lua cheia,
durante a noite, vai ver que nascem de um lado, e se põem do outro lado e tem
um momento que podem ser vistos bem acima da nossa cabeça, no meio do céu. O
sol, ao meio dia e a lua, meia noite, na fase cheia. Com as constelações e os
outros planetas, ao longo de um determinado período, acontece o mesmo. Numa
horinha estão acima do nosso cocuruto. Isso não acontece com Vênus, afirmei certa
vez. Agora atenção. Não observamos no céu noturno, o planeta no meio do céu,
isso não quer dizer que numa horinha ou noutra do dia, ele não esteja lá.
E
onde fui amarrar minha mula?
Falei
que na época do cometa, minha referência era o brilho intenso de Vênus. Perto
do horizonte, tanto que tão logo escurecia, o planeta desaparecia.
Agora,
se formos para a janela hoje à noite, muito indiscretamente encontramos
brilhando daquele jeitão, o planeta bem acima do horizonte. Bem alto de forma
que a gente tem que dobrar o pescoço. Quase chegando no meio do céu. Um
desavisado pode deduzir que Vênus vem caminhando desde setembro lá debaixo e
vai atravessar pro outro lado. Passando pela porção mediana da curvatura
celeste. Será? Serei eu um mentiroso? Um fake ultra direita negacionista dos conformes siderais? Não percam o próximo
episódio.
Agora
mire e veja, né, o mundo ardendo em chamas. Bomba cá, míssel acolá,
conspirações antidemocráticas grassando no seio varonil do Brasil e eu me
batendo com essas coisas. É que tenho que acalmar o coração,
descontaminar-me da ira não tão santa porque senão a gente entorna o caldo,
apara a cauda do cometa e apaga o brilho do planeta.
(para
ver o show, as pessoas tinham que pegar o ingresso pela manhã na bilheteria do
teatro. Cedo do dia, do outro lado da baía, ela já tinha o ingresso. Poderia
justificar a posse com tantos outros, e até abonáveis argumentos, mas não.
Preferiu dizer com ácida arrogância, que não precisava sair do trabalho, viajar
40 Km, atravessar a baía, entrar em fila. Porque era branca. Já tinha o
ingresso. Podia ter tudo).
Tornei
à janela. Todo dia vou medir o deslocamento de Vênus na volta para o seu lugar
no ponto mais baixo do céu. Tenho sempre que estar certo. Mais certo que muitos
e tantos.
Vamos
ao próximo episódio.
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