domingo, 24 de novembro de 2024

crônica da semana - o próximo episódio - supremacia branca

 O próximo episódio

A turma aqui de casa ficou uma pá de tempo a bom me encarnar por causa das minhas noites procurando o cometa.

Foi anunciado, nomeado e datado. Acompanhei nas páginas credenciadas os registros e procurei as melhores datas previstas para as aparições cá ao norte do Brasil. Reinstalei um aplicativo de mapa celeste no celular, identifiquei a trajetória do cometa e os astros que poderiam servir de referência. Vênus, o ponto mais brilhante no céu logo após o sol desaparecer era o indicador. Dali, era só traçar uma linha pra norte e...

Dava a hora, eu ia pra janela. É certo, atinei para as recomendações, sabia que a iluminação da cidade iria inviabilizar a observação, mas a vontade se sobrepôs à coerência dos fatos e me deixei levar pela patetice reativa e por vezes, pelas fantasias (criei vários cometas no céu de Belém, todos sem a cauda brilhante). Essa minha campana aconteceu em dias encarreirados desde o fim de setembro até uma beirinha de outubro.

Não vi foi piriricas de nada. Rolou, é certo, uma frustração. Ver coisa nova no céu é, sem dúvida, uma experiência enriquecedora do ponto de vista do conhecimento e também do prazer (quando tem fogos a gente não acha bacana?). No entanto, nada de me derrubar as muralhas. Mesmo porque, sou rapaz. Passado na casca do alho. Já vi um cometa. E contemplei por um bom tempo, porque o Hale-Bopp charlou a valer pelo nosso céu há 26 anos.

Esta semana, voltei à janela. Tenho que garantir uma informação que dei aqui há alguns anos. Disse que Vênus não atravessa o céu. É o astro mais brilhante do firmamento, depois do sol e da lua. Se a gente pegar o sol, durante o dia e a lua cheia, durante a noite, vai ver que nascem de um lado, e se põem do outro lado e tem um momento que podem ser vistos bem acima da nossa cabeça, no meio do céu. O sol, ao meio dia e a lua, meia noite, na fase cheia. Com as constelações e os outros planetas, ao longo de um determinado período, acontece o mesmo. Numa horinha estão acima do nosso cocuruto. Isso não acontece com Vênus, afirmei certa vez. Agora atenção. Não observamos no céu noturno, o planeta no meio do céu, isso não quer dizer que numa horinha ou noutra do dia, ele não esteja lá.

E onde fui amarrar minha mula?

Falei que na época do cometa, minha referência era o brilho intenso de Vênus. Perto do horizonte, tanto que tão logo escurecia, o planeta desaparecia.

Agora, se formos para a janela hoje à noite, muito indiscretamente encontramos brilhando daquele jeitão, o planeta bem acima do horizonte. Bem alto de forma que a gente tem que dobrar o pescoço. Quase chegando no meio do céu. Um desavisado pode deduzir que Vênus vem caminhando desde setembro lá debaixo e vai atravessar pro outro lado. Passando pela porção mediana da curvatura celeste. Será? Serei eu um mentiroso? Um fake ultra direita negacionista  dos conformes siderais? Não percam o próximo episódio.

Agora mire e veja, né, o mundo ardendo em chamas. Bomba cá, míssel acolá, conspirações antidemocráticas grassando no seio varonil do Brasil e eu me batendo com essas coisas. É que tenho que acalmar o coração, descontaminar-me da ira não tão santa porque senão a gente entorna o caldo, apara a cauda do cometa e apaga o brilho do planeta.

(para ver o show, as pessoas tinham que pegar o ingresso pela manhã na bilheteria do teatro. Cedo do dia, do outro lado da baía, ela já tinha o ingresso. Poderia justificar a posse com tantos outros, e até abonáveis argumentos, mas não. Preferiu dizer com ácida arrogância, que não precisava sair do trabalho, viajar 40 Km, atravessar a baía, entrar em fila. Porque era branca. Já tinha o ingresso. Podia ter tudo).

Tornei à janela. Todo dia vou medir o deslocamento de Vênus na volta para o seu lugar no ponto mais baixo do céu. Tenho sempre que estar certo. Mais certo que muitos e tantos.

Vamos ao próximo episódio.

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