Esqueci o Ubaldo (imperdoável pecado)
Acontece.
A gente pode até dar uns descontos: o afogueado da hora, a urgência da
informação, a lista farta de ilustres. Entretanto, pelo certo e justo,
imperdoável foi esquecer o Ubaldo. Estou me mordendo de penitência desde
segunda-feira por causa deste branco no cocuruto.
Pior.
É o que me acontece daqui pra’li. Mais pelo fato d’eu ter esta presunção, este
calibre metidão de querer dispensar pautas de apoio, lembretes, recursos
visuais e na hora de dar o plá, preferir sempre a memória, que nunca foi muito
aquela.
E
olha que já tomei choques de derrubar mastodontes. Ocorreu num seminário,
quando eu fazia Geologia. Era o senhorzinho da minha equipe, a petizada por
respeito me deu a apresentação do trabalho. Slides prontos, sequência definida,
recomendações e boas sortes. Não dei as horas sequer para as palavras chaves em
destaque nas lâminas. Olhar para o Power point iluminado na parede, acho que
nem de ladinho. Viajei na mandioca braba. Entrei em transe. Até que ainda podia
sair dali respirando. Meu tema era algo comum na minha vida profissional e de
estudante. Se referia a algumas estruturas das rochas que manjava de muitas
eras. Falhas, fraturas. Na boa. Agora, juro, estrias, nunca tinha ouvido falar.
Nem maldei de procurar com a equipe os conceitos e exemplos. Usei meu charme,
minha retórica guarda chuva, aquela que abriga tudo, embanana tudo, mistura
José com Cazuza. Ao final da tragédia, meu professor me anarquizou ali na
frente de uma garotada atônita. Nem tanto pela minha fala atarantada e marcada
pela mancada das estrias, mas pelo meu total desprezo pelas dicas que estavam
generosas e claras, nos tópicos destacados da apresentação. Chega fiquei
mofino. A garotada da minha equipe só não me chamou de santo. Ficamos de mal a
morte um tempão.
O
que torna e o que deixa é que a idade chega, a Terra gira de lá a cá e eu não
aprendo. Participei de uma mesa para falar da produção de crônicas e contos,
esta semana, na Feira Literária de Barcarena. Fiz um roteiro bacana, salvei no
celular. E, olha só, estava que era uma maravilha. Cortando e arando. Nesses
casos, é natural que o mediador, a assistência e até mesmo o escritor, façam
gosto de registrar suas influências. Nessa hora, no fogo do entusiasmo,
dispensei as dicas do meu arquivo salvo no celular.
É
um momento que dou maior valor, prezo falar dos grandes. Os contistas, os
canônicos cronistas, a coleção Para Gostar de Ler da Ática, o Sobral, o
Chembra, Eneida, Lígia, meu ídolo Veríssimo...
Não
poderia jamais ter esquecido o João Ubaldo. Um pecado imperdoável que procuro,
ainda que sem fé de êxito, remediar aqui.
Autor
de obras consagradas como “Viva o Povo Brasileiro”, “Sargento Getúlio”, “O
Sorriso do Lagarto”, João Ubaldo Ribeiro nos cativava aqui no leito familiar,
na sua versão mais leve, a crônica. Houve um tempo, em casa, que o livro dele
andou de mão em mão, e de vez em quando recebia um elogio no mais legítimo
paraensês: “égua, não, pai, parei pro João Ubaldo. Ele é muito doido”. A
família adorou. Recordista de mimos foi a crônica que ele conta ter sido
barrado num evento em que ele era a atração. “não tenho cara de escritor”,
dizia ele. E nem a solenidade, a soberba intelectual, a sisudez monocular de
Machado, a compenetração alencarina, como ele mesmo afirmava, sempre que
provocado. Era o escritor da bermuda, chinelo e uma encantadora cadência baiana
no falar.
Entre
os sodreres, é um querido. Na postura despojada e no domínio da ciência mundana
das palavras. Acadêmico, imortal, reanimava-se em talento no fio do irrevogável
bigode.
Mil
perdões. Esta minha mania de querer dar conta das prosas, até as mais
aquilatadas, só com meus débeis neurônios, me causou dor e arrependimento sem
fim. Jamais deveria ter esquecido o João Ubaldo. Mesmo porque, também não tenho
cara nem termos de escritor.
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