sábado, 2 de novembro de 2024

crônica da semana - verdes águas da guajará

 As verdes águas da Guajará (e o Pelo Sinal)

Teve gente que ficou numa abismação só. O que os olhos percebiam batia de confronte com a normalidade bege barrenta que nos é dada pela coloração da Guajará, no comum dos dias.

Eu por mim, estava bem assistindo à saída da Procissão Fluvial do trapiche de Icoaraci... mais com pouco o cortejo já ganhando o rumo de Belém... Foi no adiantado desse trajeto, com as imagens de TV fazendo uma panorâmica da baía que percebi aquela tonalidade esverdeada. Esperei por outros posicionamentos da câmera, outros ângulos, definições de luz mais constantes porque às vezes pode ser uma refraçãozinha atípica aqui, um fenômeno ótico ali, uma reflexão repentina e vulgar acolá. Ainda reinei alguém aqui de casa, no calor da festa, ter ornado a TV com uma peça de papel celofane para dar o contraste àquela transmissão. Sim, porque vivi estes artifícios nos tempos em que TV colorida era um luxo alcançado somente pelos barões. Foi naquela época de um Brasil varonil em que não era toda a casa que tinha uma TV. E, de sorte, na vila que a gente morava, um mais aquele de grana que ostentava uma Colorado RQ na sala se aviava com os aparelhos em preto e branco mesmo, que era o bem mais acessível à gente do nosso top social.

A raridade, a baixa densidade de aparelhos distribuídos nas redondezas, criaram uma entidade social fortíssima: a televizinha. Era um aglomerado de peças animadas que envolvia a TV, na sala, a dona da casa, a janela e uma vuca de espectadores se amontoando do lado de fora para acompanhar os eletrizantes capítulos de Irmãos Coragem.

E aí já viu as marmotas. Logo apareceram lenitivos para a ausência de cores no aparelho. Tinha até um empreendedor que fabricava uns quadros transparentes hierarquizados em cores de cima a baixo, que coincidia com o verde na parte inferior da tela da TV e que se podia adaptar ao televisor pra gente ter a ilusão da grama colorida, em dias de futebol. Quem, nem esta presepada podia ter, instalava umas faixas de papel celofane para arremedar uma TV a cores. E a vida corria na ânsia dos matizes.

 

O que se deu é que por agora, essas artes não foram tentadas na TV aqui de casa. A água da Guajará estava era nas parecências verdes mesmo.

Não é um fenômeno de se espantar. Eu não estava lá de palmo em cima. Há realmente, os efeitos da luz nas imagens captadas pelas TVs ou em fotografias, então como não tenho a materialidade, não posso atestar o abismador verde como válido. Agora, o que é certo, é que nesta época do ano, a água da baía do Guajará fica mais clarinha mesmo. Tem a ver com o suprimento de sedimentos carreado das montantes, com o baixo volume de água compondo a calha do Amazonas, e também com as severas estiagens maltratando os principais rios da planície. Estes fatores favorecem a entrada, bem mais apurada, da água do mar aqui até as nossas beiradas. Vivemos numa região que facilita a penetração do mar nos interiores do continente. Temos um desenho estuarino na foz do rio Amazonas. É comum o efeito maré ser sentido em nosso dia a dia. No quadro atual, valendo-se dos fatores que adiantei, o mar se intromete com mais intensidade pelos nossos furos e regos, clareando as águas da Guajará.

Esta dinâmica integrada, argumentada pela Geomorfologia e outras regras geológicas e geográficas explica aquela cor diferente da água na saída da Fluvial. Mas para abrandar o abismamento, além das referências científicas, tenho minha batidinha ribeirinha. Em trinta anos atravessando esta baía, num total de quase 4.000 viagens de barcos, popopô, lancha, já presenciei outros e tantos clareamentos da água. Alerto até para mais um fato que marca este período de agora até dezembro. O banzeiro. De manhã, até que não, mas a travessia, pela parte da tarde, ali, do meio dia em diante, é sempre com emoção. Inspira um Pelo Sinal.

 

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