As verdes águas da Guajará (e o Pelo Sinal)
Teve
gente que ficou numa abismação só. O que os olhos percebiam batia de confronte
com a normalidade bege barrenta que nos é dada pela coloração da Guajará, no
comum dos dias.
Eu
por mim, estava bem assistindo à saída da Procissão Fluvial do trapiche de
Icoaraci... mais com pouco o cortejo já ganhando o rumo de Belém... Foi no
adiantado desse trajeto, com as imagens de TV fazendo uma panorâmica da baía
que percebi aquela tonalidade esverdeada. Esperei por outros posicionamentos da
câmera, outros ângulos, definições de luz mais constantes porque às vezes pode
ser uma refraçãozinha atípica aqui, um fenômeno ótico ali, uma reflexão
repentina e vulgar acolá. Ainda reinei alguém aqui de casa, no calor da festa,
ter ornado a TV com uma peça de papel celofane para dar o contraste àquela
transmissão. Sim, porque vivi estes artifícios nos tempos em que TV colorida
era um luxo alcançado somente pelos barões. Foi naquela época de um Brasil
varonil em que não era toda a casa que tinha uma TV. E, de sorte, na vila que a
gente morava, um mais aquele de grana que ostentava uma Colorado RQ na sala se
aviava com os aparelhos em preto e branco mesmo, que era o bem mais acessível à
gente do nosso top social.
A
raridade, a baixa densidade de aparelhos distribuídos nas redondezas, criaram
uma entidade social fortíssima: a televizinha. Era um aglomerado de peças
animadas que envolvia a TV, na sala, a dona da casa, a janela e uma vuca de
espectadores se amontoando do lado de fora para acompanhar os eletrizantes
capítulos de Irmãos Coragem.
E
aí já viu as marmotas. Logo apareceram lenitivos para a ausência de cores no
aparelho. Tinha até um empreendedor que fabricava uns quadros transparentes
hierarquizados em cores de cima a baixo, que coincidia com o verde na parte
inferior da tela da TV e que se podia adaptar ao televisor pra gente ter a
ilusão da grama colorida, em dias de futebol. Quem, nem esta presepada podia
ter, instalava umas faixas de papel celofane para arremedar uma TV a cores. E a
vida corria na ânsia dos matizes.
O
que se deu é que por agora, essas artes não foram tentadas na TV aqui de casa.
A água da Guajará estava era nas parecências verdes mesmo.
Não
é um fenômeno de se espantar. Eu não estava lá de palmo em cima. Há realmente,
os efeitos da luz nas imagens captadas pelas TVs ou em fotografias, então como
não tenho a materialidade, não posso atestar o abismador verde como válido.
Agora, o que é certo, é que nesta época do ano, a água da baía do Guajará fica
mais clarinha mesmo. Tem a ver com o suprimento de sedimentos carreado das
montantes, com o baixo volume de água compondo a calha do Amazonas, e também
com as severas estiagens maltratando os principais rios da planície. Estes
fatores favorecem a entrada, bem mais apurada, da água do mar aqui até as
nossas beiradas. Vivemos numa região que facilita a penetração do mar nos
interiores do continente. Temos um desenho estuarino na foz do rio Amazonas. É
comum o efeito maré ser sentido em nosso dia a dia. No quadro atual, valendo-se
dos fatores que adiantei, o mar se intromete com mais intensidade pelos nossos
furos e regos, clareando as águas da Guajará.
Esta
dinâmica integrada, argumentada pela Geomorfologia e outras regras geológicas e
geográficas explica aquela cor diferente da água na saída da Fluvial. Mas para
abrandar o abismamento, além das referências científicas, tenho minha batidinha
ribeirinha. Em trinta anos atravessando esta baía, num total de quase 4.000
viagens de barcos, popopô, lancha, já presenciei outros e tantos clareamentos
da água. Alerto até para mais um fato que marca este período de agora até
dezembro. O banzeiro. De manhã, até que não, mas a travessia, pela parte da
tarde, ali, do meio dia em diante, é sempre com emoção. Inspira um Pelo Sinal.
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