sexta-feira, 6 de outubro de 2023

crônica da semana - abraço de tamanduá

 Amar e outros medos (abraço de tamanduá)

O estudo do movimento literário não faz parte mais da grade do ensino médio. Fiquei chocado quando soube desta triste realidade. Porque no meu tempo de Escola Técnica, fazia. Conheço o Victor Brecheret dessa época, ali pelo início da década de oitenta do século passado. E nem foi pelo que ele escreveu. Era artista plástico.  E sim por ser um dos nomes de destaque na Semana de Arte Moderna de 22.

Agora, depois de formado, me embrenhado nas matas dessa Amazônia deslumbrante, navegado rios caudalosos, velozes e furiosos; neste instante da vida em que minha caminhada cheia de repentes e aventuras se apascenta e se aquieta nos fachos pelas matinês acaloradas de Belém, pleno domingo circulando com a família pela Cidade Velha, olha lá quem encontro. O Moderno Brecheret com suas obras e inspirações a olhos marejados e vistos em exposição no Museu do Estado. Entre as criações mais instigadoras, a peça “A luta da onça e do Tamanduá”, me mundiou. Consta ser uma ressignificação da natureza que eu nem que me derrubem a bufete conto aqui como é que é. Dou é a dica: vão é logo lá que a exposição já está indo para os finalmentes.

E pois bem. Calhou de a Escola Modernista de Literatura nos ser apresentada em aulas ministradas pelo adorável Alfredinho. Nosso professor de Português no último semestre da disciplina. A ETFPa encaixava na grade os relevantes movimentos artísticos representados em Escolas nas suas particularidades específicas. E era uma sequência que na formalidade cronológica culminava com o Modernismo, e também, na culminação do curso. Iniciávamos com os clássicos portugueses, Camões e os Autos Teatrais. Descobríamos o Brasil do Boca do Inferno Matos Guerra. Passávamos de ano e nos encontrávamos adiante com os Árcades, mais a frente com os corações esmigalhados dos Românticos; Do meio pro fim, Machado, Eça, as peripécias comuns dos Realistas e o doce azulado dos Simbolistas, até... O Brasil brasileiro prospectado pelos Modernistas.

Quando nos falava do surgimento de uma narrativa Modernista, o professor Alfredo tomava o cuidado de contextualizar e cravar na Semana de Arte Moderna de 22, o grande momento das várias formas de arte. E nos dava a escalação: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Villa-Lobos, representantes da música e da literatura; Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, e Victor Brecheret compondo as harmonias das artes plásticas. Não esqueço essas aulas. Até hoje ainda monto o time. Faltam alguns aí na minha lista. Eram bem mais que uma onzena.

Eu entendo a arte, dentre outras coisas, como um ato de amor. E estendo essa minha impressão ao medo de amar. Quantas inesquecíveis histórias foram enredadas nesta trama humana tão desafiadora que é apegar-se a outra alma e mais ainda, sem certeza alguma, numa união de risco altíssimo, de durabilidade sem garantia alguma. Qual a sensação, o que levaria para a vida um estudante do ensino médio ao dar com um final arrasador articulado por um Camilo Castelo Branco; ou uma terceira via para o sofrimento, arranjada em narrativas abusadas, por Eça de Queiroz? Que medidas dar ao coração neste passar do tempo até as Angústias de Graciliano e os conflitos de Riobaldo?

Retirar o ensino da literatura e das manifestações da arte nas possíveis composições estéticas, do ensino médio, em mim me realça o medo de nos perdermos no leve e frágil presente e abrirmos mão de um futuro. Nos reduz as oportunidades de conhecer todas as formas de amor. Penso que nos confina no mimetismo asfixiante de Brecheret em representar a luta da onça com o tamanduá.

Não percam a exposição. Tá no MEP, por outra, conhecido como o antigo palácio do governo, (e sabe, bem que poderíamos ter um museu também aqui na Pedreira. E nem precisaria ser um antigo palácio). 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário