sexta-feira, 14 de abril de 2023

crônica da semana - orai e vigiai

 Orai e vigiai

A gente tá assim, orando, vigiando; aqui, ali pensando na morte da bezerra, contemplando uma arte, maldizendo um mal, patetando ou olhado pro tempo, que seja, quando, de repente, pá! Cai uma bomba. Acontece. A vida para?

Não. Cambaleia, tomba, dá de encontro, reanima e torna. Foi o que aconteceu na Feira do Livro do ano passado.

Dei uma passada rápida no Hangar, só pra não dizer que não fui. Visitei alguns estandes, comprei livros, dei um alô pro Juarez da Ifá e pro Francisco do estante dos Escritores Paraenses e, ó, pra trás. Antes de voltar pra casa, passei rapidola naquele corredor dos fanzines, quadrinhistas e ilustradores. Encostei na banca do Maciste Costa, que é um campeão, um magnífico vencedor em tudo quanto é de desafio, de trabalhos coletivos a peças individuais que envolvam o trato no traço. É o ilustrador de onze entre dez publicações que se realizam por aqui. Travamos uma prosa, e entre tantos assuntos pendentes por causa da pandemia surgiu este do medo que ainda nos assolava e que nos afastava, inclusive, de atividades mais comuns daquela Feira. Um propósito tiramos, naquele encontro. Defendia ele, que não podíamos desistir. Não adiantava amofinar. Vez em vez, os olhos lacrimejavam diante daquelas palavras de incentivo e eu me envolvia com a idéia de ser possível sim, superar o luto e voltar a publicar absorvendo a energia e o entusiasmo que um livro sempre nos inspira.

Antes de aprumar para a Pedreira dei com o escritor Daniel da Rocha Leite. Assim como eu, num pé e n’outro pra embicar no rumo de casa. Ainda tomando os cuidados com os traiçoeiros golpes da pandemia, Daniel havia aceitado algumas participações e contribuições ao cenário literário da Feira, afinal é nome de responsa, respeitado, com um acervo espetacular de boas e grandes obras. Escritor premiado, pesquisador. Atento aos encantos da língua. Eu, por mim, o tenho como uma expressão ímpar na linguagem poética. Cuido de aqui, acolá, pegar um livro dele da minha estante e me encantar. Tem o segredo da narrativa poética, que é como vejo a obra dele. Ainda que em prosa, mesmo que mirando os termos na sensibilidade infanto-juvenil, há um esvoaçar de sons de delicados lirismos nas palavras aladas e, por vezes, intencionalmente caladas, que ele cria. Narrativa submersa quando identifico que é o silêncio que canta, que fala, que se anuncia na fresta das frases. E que a gente só vê, quando fecha os olhos... Dou o maior valor.

Ali no corredor da Feira, e muito apropriadamente, na correria do instante, nos permitimos um afetuoso abraço. Sinalizei o quanto o admiro pela sua arte e também pelo apego, pela dedicação aos momentos em que a literatura paraense precisa de braços. Como na feira do Livro. Ouvi de Daniel, o mesmo que Maciste havia me revelado lá atrás. Havemos de resistir. Com a emoção saltando de mim, de novo lacrimejei e senti a vibração positiva daquele encontro. Fiquei com aquilo. Na caminhada para casa, reconheci que aquela passada rápida pelo Hangar, me proporcionou um encontro com heróis. Francisco, Juarez, Maciste, Daniel. Houve ensinamento naqueles encontros e encorajamento.

Desde lá, decidi que tão logo achasse um tema, recolheria do meu acervo, um tanto de crônicas que pudessem compor um livro encorpado, e que trouxesse a minha arte de volta às edições impressas. E eis que me vem, daqui a alguns dias, o “Igarapé Piscina”, que está na fase de produção e que mais com pouco falarei dele. Só adianto que, como reverência àqueles encontros, convidei para a capa o Maciste Costa e para o prefácio, Daniel da Rocha Leite.

E, pois é, a gente tá assim, orando, vigiando, a bomba cai, a gente tromba, dá de encontro, se esmigalha, mas depois se junta tudo de novo.

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