Chuva decamilenar
Os
dados impressionam. A tragédia causada pelas chuvas em São Paulo foi resultado
de uma precipitação máxima de 680mm num período de 24 horas. Para nós aqui de
Belém isso representa mais que o tanto de um mês todinho bem chuvoso de março.
Foi muita água. Caso igual jamais aconteceu naquela região ou até mesmo no
país.
Eu
tinha um professor de Geologia que não recomendava afirmações com intenção técnica
ou científica que creditassem certezas absolutas a determinados eventos, tendo
como parâmetro o tempo decorrido ou a frequência. Fez essa ponderação a
primeira vez, depois da notícia de um ciclone extratropical formado no sul do
país. Na época, o que se dizia é que um fenômeno daquele jamais havia ocorrido
no Brasil, um país abençoado por Deus, de clima bom e protegido de sustos
naturais. Considerando o envolvimento da ciência no cotidiano brasileiro, a
circulação da informação e o jeito como a notícia é tratada, é bem provável que
tenhamos na nossa história social e geológica uma infinidade de catástrofes,
perturbações e picos de eventos. Só que ficaram sem registro ou compuseram
matérias mais ligadas às lendas e ao determinismo religioso (aconteceu porque Deus
quis). Não podemos dizer que a catástrofe de São Paulo foi um fato único. Mas é
certo que foi um episódio dramático da nossa história, registrado, gravado, e
medido nos níveis mais assustadores.
Pela
demanda da minha profissão, dou atenção especial ao período chuvoso. Em muitas
ocasiões nem tínhamos todo o aparato tecnológico de hoje e nossas ações vinham
em função da experiência, do ‘olhar pro céu’, da fase da lua e das poucas
informações de órgão oficiais de meteorologia, que nos alcançavam.
Em
Altamira, quando passava a maior parte do tempo acampado, a preocupação nem era
com o grande volume de chuva. Era com a força e a velocidade dos ventos. Eu
tinha um companheiro de barraco que, era só começar a pingar à noite, ele
levantava da rede, acionava a luz da lanterna e iluminava o alto das árvores.
Tinha um medo danado que um imenso galho de árvore despencasse sobre nossas
cabeças. (Isso, depois de ser apartado do tronco principal por um raio. Outro
medo). Eu sempre dava razão à preocupação dele. Achava que se agia assim, tinha
motivos.
A
intensidade extraordinária das chuvas no litoral paulista poderia até ser
creditada ao fenômeno da chuva decamilenar, diga-se, há alguns anos lembrado
pelas bandas de cá a partir de precipitações, olha só, até modestas, de pouco
mais de 100mm em 24 horas que se comparadas ao volume de seiscentos e pouco de
São Paulo, nem justificaram a evocação
do fenômeno. De jeito igual, se associada esta grande chuva, aos acontecimentos
recentes em parte da Europa e Estados Unidos, com ocorrência de frios extremos
em meio a um inverno calorento, podemos ligar a tragédia de São Paulo ao
desequilíbrio global do clima, perturbando o inverno deles e o nosso verão.
Em
Belém, vivemos o inverno amazônico. Estamos ligados nos pampeiros. Temos um
relevo plano, nem de longe comparado aos encaixados de serra das formações
litorâneas do sul. Enfrentamos riscos. Sempre o medo das ‘terras caídas’, dos
transtornos de água invadindo casas, do caos no trânsito com o transbordamento
do Galo ou do Uriboca. Mas não há chance de um barranco desabar sobre nossas
cabeças. Talvez este seja o fator planície abençoado por Deus na Amazônia.
Os dados de São Paulo foram além dos aléns coletados em nossa Amazônia molhada. Resultaram em sofrimento e dor. Por outro lado, revelaram solidariedade, esperança, dedicação de muitos. O Brasil precisa fazer mais. Precisa escoar recurso para o direito básico da moradia e prover nosso povo de habitação, acima de tudo, segura.
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