Como será o amanhã
Os
dias estão confeteados de bons temas. E todos dissolvidos numa alegria
carnavalesca, serpentinada de cores vivas. Minha vida se alegrou já antes do
carnaval, com a notícia do reajuste das bolsas de pesquisa alcançando todas as
fases a partir da iniciação científica. Para um pai de doutorando foi um
alento. A bolsa não é nenhum favor. É uma remuneração preciosa que garante
naquele limite de numerário, a sobrevivência do pesquisador. Eu já estava me
aperreando por dentro em ver meu menino recorrendo à marretagem de fim de
semana para complementar a renda. Espero que este reajuste ajude e que, mais
ainda, dê um gás aos estudantes para perseverarem nos caminhos sólidos e
reveladores da Ciência.
Da
parte da educação outros fatos relevantes marcaram esses dias. A lista de
aprovados nas universidades públicas certificaram os reais valores dos mais
humildes e a energia inesgotável que faz o jovem relegado ao esquecimento
reagir e pautar conquistas na vida. E são vitórias de forte simbolismo. Soube
de uma operária da construção civil que passou para o curso de engenharia. Uma
realização expressiva, por dentro, aquela que remelexe o sistema. Já havia um
caso bem representativo e que devo ter comentado por aqui. Há alguns anos, um
rapazinho que compunha a peãozada que erguia um prédio em frente à minha casa,
na Mauriti, também venceu o apagamento. Foi um dia especial para quem viveu e,
como eu, para quem acompanhou do outro lado da rua. Não teve obra. A
companheirada comemorou junto. Os chefes, os mestres de obra, e até os
engenheiros de capacete branco aderiram. A obra parou para celebrar um
engenheiro em construção. Do lado de cá eu vi. O pequeno pirou o cabeção.
Untado de urucu, talco, uma poeirinha de cimento, ovos e mais ovos, embarcou na
euforia e perdeu o jeito e o tino de tão feliz.
E
é pra perder mesmo. Passar no vestibular, em universidade pública é um feito
heróico, ainda mais para quem bate massa o dia todo. Tem que pirar isso sim.
Esta
ausência total de estribeiras é o meu modelo de comemoração. Trago este padrão
de uma ocasião, quando um garoto, que morava na Estrela foi aprovado (numa
época que raras eram as aprovações na periferia). Minha patota da Mauriti foi à
casa dele, pois que era nosso parceiro de bola. Fiquei besta de ver como ele
estava. Totalmente aéreo. No mundo da lua. Estava de pé pela fé. O corpo
ligeiramente vergado, a cabeça erguida fitando o nada no alto, os braços
alçados no vazio e as mãos em coreografia positiva. Piradão. Um transe de
satisfação, de completude. Para mim é o certo. É o jeito de descarregar a
tensão de um ano e, às vezes, anos. Nas duas vezes que passei no vestibular,
fiz questão de experimentar a piração. Este transe bem vindo. É uma felicidade
sem legenda para traduzir.
Aqui
em casa, minha companheira e as crianças experimentaram essa doideira ao som da
marchinha do Pinduca. Navegaram, sem medos, sobre as águas que passarinho não
bebe, em alcoóis graus de felicidade.
Há,
porém, o amanhã. Espero que seja da mesma maneira completo (a família aqui toda
conseguiu o canudo. Menos eu. Não deu pra mim. Embora tenha usufruído,
aprendido pacas no tempo que passei na universidade, minha batição de massa
superou em tempo e disponibilidade a capacidade de me dedicar às lições de sala
de aula e também aquelas extra-classe).
Meu
desejo é que calouros, pesquisadores completem o ciclo com o mesmo ânimo. Outrossim,
ante os reveses, não esmoreçam. O amanhã, certamente, será outro se apreenderem
o que puderem nos cursos que irão se integrar. O conhecimento científico, o
tantinho que seja, vale para reforçar o front contra o negacionismo, os males e
os perigos do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário