Lealdade e Linda flor
O
filósofo deu a letra: sem a música, a vida seria um erro. Tento acertar. Mirar
no cravo e na ferradura. E nas diversas frentes. Ouço de um tudo. Faço da
música minha profissão de fé, meu tudo de bom e pleno que me alenta e dá prazer.
Bateu na telha nesses primeiros dias do ano de me embrenhar nos escaninhos
melódicos de Pernambuco. Atinei para o bichinho de Duda Beat, me impus o breado
do Mangue beat no cancioneiro de Chico Science, dancei ciranda com Siba,
escalei as ladeiras de Olinda com Alceu Valença e a Academia da Berlinda,
rebusquei a severa tonalidade com Otto e abrandei meu coração na suavidade quase
cantiga da banda Eddie com a canção Lealdade. Visitei o som vibrante do
encantado Cordel e a Ciranda cadenciada de Lia. Fui lá e interessado, voltei
cá. Desviei de novo para Lealdade. A música me pegou de jeito. E os dias se
passaram com a marca da canção. Até me animei e me envolvi. Fiz uma versão com
meus acordes naturais e minha força de vontade. Gravei na internet. Meus 11
simpatizantes gostaram. É uma canção que cresce muito com o arranjo da Banda
Eddie. Tem uma notada melancolia rebelde. Um trisca pra explodir, mas se mantém
na ordem e nos compassos da singeleza. Chega dá uma paz na gente. Tem também,
uma letra que parece não querer tanto, mas alcança além. Quando a gente dá fé,
tá refletindo, reafirmando discursos, lustrando compromissos. Há comoção e
entrega nesta canção, que faz até a gente engatar a voz e engolir um chorinho
culposo quando canta um versinho sutilmente desafiador...
E
me perdi na afetuosa Lealdade exatamente no mesmo tempo em que lia o livro do
manauara Márcio Souza, com o mesmo título. Isso quer dizer alguma coisa, cá
comigo pensei. Não é sempre que a Lealdade se veste de arte e nos visita
revolucionando, fugindo de barco em meio à escuridão e adiante, perdendo-se na
mata alta para renascer pautando um romance cabano.
Deixa
estar que... passou, passou... Teve, teve ... Eu estava bem na faxina de final
de semana aqui em casa, sintonizei meu três-em-um numa rádio só de músicas
antigas da década 50 do século passado pra trás, quando, para minha surpresa me
entra o Orlando Silva à frente de um arranjo denso, meio carnaval com coro e
tudo, cantando o que, digue lá, mermão. Esta dita mesma música Lealdade. Mas
cuide, não, que eu pensei que era música nova, criada pela vanguarda
pernambucana. A música é do tempo do ronca, linda e antiga pacas. A gente, tá
vendo, não sabe é de nada das reentradas criativas de tempos em tempos. Fora a
surpresa, pra mim não mudou nada. Apreciei a levada encorpada na interpretação
do Orlando Silva para a canção, mas prefiro o jeito franzino, a leveza, a
pegada mais aquietada do estilo Eddie. A música com eles, quase cantiga, me
pegou e foi de vera.
Neste
caso, foi constatada a regravação de uma mesma matriz. Agora me avaliem vós, o
quanto bambeei quando encontrei daqueles anos atrás pra cá, pelo menos três
versões de Linda flor. O enredo é o mesmo, faxina, três-em-um, final de semana.
Dedilhei de novo meu violão na internet, me ajustei na letra: “Ai, iô iô/eu
nasci pra sofrer/foi olhar pra você/meus olhinhos fechou...” . Essa todo mundo
conhece e sabemos que é antiga. Foi tema de novela. Meus 11 fãs deram um like.
Muita gente boa gravou. Daí, procurando outras interpretações, dei com uma
gravação do Vicente Celestino lá pelos anos 30. E não me é que ele canta uma
letra totalmente diferente! Até o do iô iô, que nos chegou, foram duas letras
outras. Que coisa!
Não importa. O que vale é que procuro sempre ter a música perto, mesmo que longe no tempo e em diferentes versões, para que a vida não bandeie ao erro.
Onde é que tem o dedinho com o polegar levandado pra gente curtir, pois certamente todos concordaremos com a beleza da sua escrita e com o filósofo quando afirma que a vida sem a música é um erro.
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