sábado, 3 de setembro de 2022

crônica da semana - meu inglês é fraquinho

 Meu inglês é frakinho

Jovens que conheci na universidade, bem dizer dia desses, já estão completando 40 anos. Éraste! O tempo...

Deixa estar que, sábado próximo passado, fui convidado, por uma querida amiga herdada desses tempos, para a comemoração desta nova fase na rima dos ‘enta’, com aquela continha se realizando na cabeça... Quando estudava, criei amizade com a turma de 18, 20 anos, e eu já era quarentão... Daí, mais uns bons vinte anos se passaram (para ambos os lados)...

No ritual da festa, discursos, emoções, agradecimentos. Bufê e na sequência, a banda mandou ver iniciando logo com o som do Pussicaty, ‘Smile’, ‘Mississipi’, depois emendou com o Abba, Bee Gees e éramos todos da mesma geração nait’fiver. Fiquei ligadaço.

O detalhe é que a maioria das músicas que marcaram as afetividades passadas foram selecionadas em inglês. Era o que sinalizava a playlist-saudade, misturando inclusive várias etapas e ritmos da música estrangeira. E o programa da banda calhou certinho no gosto dos convidados. Afinal são canções que varam gerações de um lado a outro.

Faço um paralelo quando na época de estudante, encarava rolês com os jovens. Certa ocasião, bancamos a missão de frequentar um bar que tocava só Beatles. A garotada cantava todas. Dominava a pronúncia e a articulação fonética do bom inglês. Reaprendi a gostar dos rapazes de Liverpool com essas baladas temáticas. Só não aprendi um isso aqui das músicas no original. Meu inglês é fraquinho. A petizada tinha que exercitar a tolerância. Eu era aceito no grupo mesmo sendo coroa, aluno universitário temporão. E ainda tinham que relevar o meu completo apartamento na hora dos coros entusiasmados de ‘Help’ ou do recitado quase rap, da bela Blackbird, quando nos envolvíamos com tudo no som dos Beatles. Apesar d’eu ter uma boa média de acertos e me virar satisfatoriamente num errezinho nas aulas de Inglês Instrumental, na fala, não me garantia não.

Eu os admirava. Curtia pacas aquela geração valorizando os iês iês iês lá dos anos 60. Ficava meio acabrunhado, ensimesmado, sentia uma vergonhinha porque não conseguia acompanhar a galera nos coros, por falta de um acervo eficiente de palavras ou memória compatível para decorar as letras em inglês. Dei de me fazer cobranças e me imputar carões. Por que não estudava mais, não procurava jeito de dominar o idioma apenas para não me sentir daquele jeito, deslocado da turminha? Com o tempo desencanei ao reconhecer que tenho acervo, mas me falta memória para cantar ou acompanhar refrões até de músicas em português... inclusas as minhas músicas e poesias, que não raro me fogem, quando as procuro para uma palinha ao violão ou uma recitação nos saraus. Tenho as evidências aqui em casa, nas eventuais audições domésticas: “éraste, o papai não sabe a letra de nenhuma música inteira, e as poesias, então, não decora nem aquelas, curtinhas dele”.

Devo adiantar que não é falta de memória, ou índice de alguma patologia. Muito menos desleixo, descuido com as vastas e caras obras. É que são muitas as informações no cocuruto e, de fato, não tenho o dom de guardá-las todas. Acho que dediquei toda a minha capacidade de armazenamento para decorar a tabuada, lá nas aulas da professora Lurdes, pelos idos de chumbo dos anos setenta, sob a mira ameaçadora da palmatória.

O que vale é o prazer do som. Se a gente não sabe a letra de cor, seja no inglês, seja no português, vamos de nã nã nã, e na palminha. Curti pacas a festa dos quarenta anos animada pelas canções que atravessam as eras. Éramos todos blackbirds nait’fiveres nos embalos daquele sábado.

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