Banzeiro
Todo
mundo fala, comenta, expõe inquietações, conta casos. Eu tenho uns quantos. O
certo é que daqui pra dezembro este banzeiro aí na baía do Guajará e mais além,
na baía do Marajó, vai ser pauleira, têi-têi, de beira a beira.
Somos
parte dessas águas. Estamos de confronte, todos os dias nos vemos e nos
sentimos de variadas maneiras e jeitos. Tiro por mim, que me vejo de cá a
Barcarena e de lá a cá, pelos caminhos que se abrem entre os ventos e as
grandes ondas (tirando um pelo outro, nos meus 28 anos de Barcarena, passando
pelas travessias de passeio, aquelas da universidade, outras do sindicato,
muitas para precisões de ocasião, e contando a média de duas viagens por dia a
trabalho, posso estimar um pacotão com mais de 13 mil travessias, ao longo
desse tempo e isso medido no padrão barcão, popopôs, lanchas rápidas, lanchas
lentas, barcos que ficaram pelo caminho no prego e balsas minadas de carros
para o Círio, por exemplo. É um feixe bom de viagens, né). Nesse tempo, já fui
assaltado no meião da baía do Cafezal, já ocorreu de a lancha em que eu viajava
ser varada no meio por outro barco, num encontrão que deixou alguns feridos,
outros traumatizados e os que se jogaram na água, ensopados e assustados.
Aconteceu de certa vez eu vivenciar na prática aquele problema de Física,
clássico, do triângulo na travessia de um rio. Foi no popopô. O piloto varou na
baía apontando a quilha pro vetor Cidade Velha e a correnteza e os ventos
ajustaram o traçado gerando a resultante que nos levou ao desembarque certinho
no Veropa. Vivenciei inúmeras operações de embarque e desembarque baseadas na
polaridade do não e do sim. É quando a onda está tão forte e grande, que a cada
dissipação, tira a rampa de acesso do nível de segurança. Então a gente faz a
contagem do tempo pra acessar a rampa. Onda vem, não. Onda vai, sim. E é nessa
cadência que se vive a vida no vaivém diário enfrentando os banzeiros.
Antigamente
eu afirmava com gosto e zelo que a travessia para Barcarena, não era uma
viagem, era um passeio. Ocorria quando o caminho se realizava pelos furos da
Ilha das Onças. O trajeto era uma experiência incrível de aproximação com a
lida ribeirinha. Maleducação e velocidades altas provocaram desmoronamento das
margens, transtornos para os moradores e a rota foi alterada. Agora é tudo por
fora. O que não deixa de ser também um passeio, com o detalhe de contemplarmos
uma ilha se formando no meio do canal e ao longe, o nicho de Nossa do Tempo. Vigilante
à beira da falésia do Cafezal, a Santa dadivosa que não permitiu que mal algum nos
atingisse no dia em que o barco em que eu viajava foi assaltado e desviado para
uma entradinha bem pertinho do nicho.
Olhando
de palmo em cima, o número de 13 mil viagens em 28 anos, estima-se que a
estatística está a meu favor. Dois ou três casos de atenção em 13 mil. Benza
Deus. Entendo assim porque observo ser o banzeiro, um evento natural que
devemos apreender e tirar dele as soluções. Representa as variações que podemos
dominar. O Vikings noruegueses quando navegaram até a América reconheciam e
controlavam a variação das marés, dos ventos, das ondas. Penso que, apesar dos
repentes impostos pelas nossas águas, temos que confiar na engenharia e nos
artesãos ribeirinhos. Um Fé em Deus não navega os rios amazônicos sem aquele
piloto conhecedor, um maquinista experiente ou uma tripulação treinada para
reagir a qualquer contratempo. Nem um transatlântico, nem um Sacramenta-Nazaré
fazem seus itinerários sem o saber dos repentes das rotas.
Daqui
pra diante, vamos falar muito sobre os banzeiros.
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