sábado, 17 de setembro de 2022

crônica da semana - alvíssaras

 Alvíssaras

Não sou dado ao negócio do convencimento inapelável, do marqueting certeiro, da venda sem barreiras. Mamãe sim, quando batia a sandalinha por essa Pedreira velha, não tinha quem resistisse: com uma coisinha ou outra a freguesia se comprometia no crediário Santa Luzia, depois de uma conversinha com mamãe.

Até tentei seguir na mesma pisada, mas me faltou o talento...

Contada já foi por aqui a minha aventura de vendedor do mais famoso carnê de capitalização do país, e num período que o talão vendia como água. Também, contava para o sucesso, a promessa que depois de quitadas as parcelas, o freguês herdava uma bolada de volta, corrigida por obrigações reajustáveis do tesouro nacional. Pois não vendi nenhum. Bati perna da Pedreira ao Entroncamento com minha pastinha, no sol de fritar o miolo, fui e voltei na vontade e... nada. Não vendi um pra remédio.

Fiquei na panemice e no desânimo até que, com a chegada dos shoppings na cidade, me engracei. Criei um projeto ainda hoje engavetado de um point diverso. Mistura de gourmet com retrô, popular e erudito, cult e brega. Também já relatei aqui este projeto. Consta ser um espaço de venda para várias modalidades de chopes. Sim, o do saquinho. Um ousado comércio popular, e de preferência encravado no mais sofisticado centro de compras de Belém. Um empreendimento audacioso. Até a maquininha de soldar o saquinho está nos planos. Porque no princípio, era assim, no ferro quente.

Eu mesmo operei uma máquina dessas quando fui colaborador na taberna do seu Valdivino, celebrado naqueles anos passados, na Mauriti, por dar conta de uma venda, até grande, apesar de ter perdido totalmente a visão. Naquele tempo os sacos de chope eram quadradinhos. A nossa linha de produção contemplava o preparo do bom Q-suco, a dosagem certa em cada saquinho e por último, chegava a mim para lacrar a borda. Era um equipamento simples. Ligado na tomada, aquecia uma placa de metal afinada num gume preciso. Eu posicionava as duas partes do plástico bem no eixo do gume, pisava no pedal, a placa descia, fazia um cerzido quentinho no plástico chega saía uma fumacinha e estava no jeito, pronto para ir ao congelador mais um puro de groselha ou qualquer outro colorido e artificial sabor. Durou pouco este processo. A máquina era com base em resistência, que nem o ferro de engomar, consumia energia pacas. O crionegócio pautado no chope não resistiria se um empreendedor de muita fé não tivesse a brilhante idéia de substituir a solda com resistência elétrica pelo nozinho. Mudou o formato do saquinho, os fornecedores desandaram a produzir na escala do milheiro, e ao produtor, bastava agora providenciar o conteúdo doce e colorido, dar o nozinho e esperar a petizada.

Hoje, na versão industrial, a cor ainda lista os sabores, revelando um contexto sinestésico ao negócio. Os sucos também ficaram mais azedinhos, e os saquinhos são grossos, difíceis de rasgar com os dentes. Na última prova, tive que me acudir a uma tesoura para cortar a boca do saquinho.

Por isso, por essas inconsistências da modernidade é que, tenho a esperança ainda, quando um governo mais humano nos tirar deste caos Brasil, de montar meu empreendimento Simbolista. Nos primeiros dias de funcionamento já está agendado o concurso de quem chupa todo o sumo colorido do chope, e deixa só o branco do gelo no interior do saquinho. Nos meus tempos tinha uns moleques que faziam previsão do futuro do dono do chope, a partir dos desenhos que as bolinhas de ar deixavam nas trincas do puro branco do gelo. Vou apostar no aparecimento de um vidente e quem sabe ele nos inspire alvíssaras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário