Alvíssaras
Não
sou dado ao negócio do convencimento inapelável, do marqueting certeiro, da
venda sem barreiras. Mamãe sim, quando batia a sandalinha por essa Pedreira velha,
não tinha quem resistisse: com uma coisinha ou outra a freguesia se comprometia
no crediário Santa Luzia, depois de uma conversinha com mamãe.
Até
tentei seguir na mesma pisada, mas me faltou o talento...
Contada
já foi por aqui a minha aventura de vendedor do mais famoso carnê de capitalização
do país, e num período que o talão vendia como água. Também, contava para o
sucesso, a promessa que depois de quitadas as parcelas, o freguês herdava uma
bolada de volta, corrigida por obrigações reajustáveis do tesouro nacional. Pois
não vendi nenhum. Bati perna da Pedreira ao Entroncamento com minha pastinha,
no sol de fritar o miolo, fui e voltei na vontade e... nada. Não vendi um pra
remédio.
Fiquei
na panemice e no desânimo até que, com a chegada dos shoppings na cidade, me
engracei. Criei um projeto ainda hoje engavetado de um point diverso. Mistura
de gourmet com retrô, popular e erudito, cult e brega. Também já relatei aqui
este projeto. Consta ser um espaço de venda para várias modalidades de chopes.
Sim, o do saquinho. Um ousado comércio popular, e de preferência encravado no
mais sofisticado centro de compras de Belém. Um empreendimento audacioso. Até a
maquininha de soldar o saquinho está nos planos. Porque no princípio, era
assim, no ferro quente.
Eu
mesmo operei uma máquina dessas quando fui colaborador na taberna do seu Valdivino,
celebrado naqueles anos passados, na Mauriti, por dar conta de uma venda, até
grande, apesar de ter perdido totalmente a visão. Naquele tempo os sacos de
chope eram quadradinhos. A nossa linha de produção contemplava o preparo do bom
Q-suco, a dosagem certa em cada saquinho e por último, chegava a mim para
lacrar a borda. Era um equipamento simples. Ligado na tomada, aquecia uma placa
de metal afinada num gume preciso. Eu posicionava as duas partes do plástico
bem no eixo do gume, pisava no pedal, a placa descia, fazia um cerzido
quentinho no plástico chega saía uma fumacinha e estava no jeito, pronto para
ir ao congelador mais um puro de groselha ou qualquer outro colorido e
artificial sabor. Durou pouco este processo. A máquina era com base em
resistência, que nem o ferro de engomar, consumia energia pacas. O crionegócio
pautado no chope não resistiria se um empreendedor de muita fé não tivesse a
brilhante idéia de substituir a solda com resistência elétrica pelo nozinho.
Mudou o formato do saquinho, os fornecedores desandaram a produzir na escala do
milheiro, e ao produtor, bastava agora providenciar o conteúdo doce e colorido,
dar o nozinho e esperar a petizada.
Hoje,
na versão industrial, a cor ainda lista os sabores, revelando um contexto
sinestésico ao negócio. Os sucos também ficaram mais azedinhos, e os saquinhos
são grossos, difíceis de rasgar com os dentes. Na última prova, tive que me
acudir a uma tesoura para cortar a boca do saquinho.
Por
isso, por essas inconsistências da modernidade é que, tenho a esperança ainda,
quando um governo mais humano nos tirar deste caos Brasil, de montar meu
empreendimento Simbolista. Nos primeiros dias de funcionamento já está agendado
o concurso de quem chupa todo o sumo colorido do chope, e deixa só o branco do
gelo no interior do saquinho. Nos meus tempos tinha uns moleques que faziam
previsão do futuro do dono do chope, a partir dos desenhos que as bolinhas de
ar deixavam nas trincas do puro branco do gelo. Vou apostar no aparecimento de
um vidente e quem sabe ele nos inspire alvíssaras.
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