A Ponta do Farol
Um
jeito que nos permita ver o nascer e o pôr do sol num pacote espacial só, é
difícil. Esta combinação no avistamento destes eventos depende de muitas
coisas. Época do ano, urbanização, densidade de vegetação no horizonte, relevo,
e disposição pra acordar cedo, na batida da campa da aurora. Foi o que fiz na praia
do Farol.
O
pôr do sol estava na escrita diária sem esforço ou campana. Acontecia de
confronte à varanda do hotel. Era só a gente dar as caras no tempo e na vez,
que lá s’estava aquela bolona vermelha mergulhando no horizonte ao pegado de
Cotijuba. A campana necessária foi para dar de encontro com a bolona, no
amanhecer. Não tínhamos a experiência, não sabíamos o local exato. Rolou até um
desânimo de não ver nada já que, a partir daquele instante da tardinha, fizemos
a menção de projetar o caminho inverso do sol, e estimamos que de manhã, ele
surgiria pras bandas da maior concentração urbana e isso nos impediria o
avistamento dos primeiros raios de sol.
Pesquisamos o horário certinho do alvorecer, ajustamos o despertador e
ficamos só na bicora do sono leve. Se eu contar a maravilha que foi...
Passar
uns dias no Hotel Farol estava no meu plano de férias domésticas. Coincidiu
também com o período de lançamento de edição, em três volumes, contando a
história do hotel e dos Mártyres de Mosqueiro. Organizada por Andréa Mártyres de
Oliveira, a coleção vem em produção rica e respeitosa. Conta a história do
hotel, do casal Zacharias e Adelaide, filhos, e dos descendentes que herdaram a
responsabilidade de manter a vocação da exuberante construção. Que, sem dúvida,
é um ambiente de lindezas. O salão nobre, que guarda móveis, peças de decoração
e luminárias originais, por exemplo, é de entontecer. Destaco ainda, o piso em
madeira refinada que, tratado ao brilho e ao fulgor é arte de simetria e
silêncio atávico, chega dá uma paz na gente.
Quando
cantei a pedra aqui em casa e falei que iríamos veranear no Farol, a turma saiu
de banda. Ponderações e considerações sobre o aporte financeiro sacolejaram a
decisão. Ouvi que era, de minha parte, um lampejo burguês. Banquei. Quis porque
quis, afinal, pra quê me bato o ano todo nesta minha vida de operário,
enfrentando as contradições do capitalismo, suportando além disso, e por agora,
ante os levantes conservadores, os rotineiros embates, nunca cordiais,
ideológicos, tensos; e mais para frente previsivelmente políticos-sectários e
ferozes. Se me embrenho em superações, ora, ora, se não mereço realizar uma
extravaganciazinha burguesa rapidola. Arrumamos a bagagem e caímos no trecho
rumo à bucólica, sem pesos na consciência...
E
tem a varandinha... De lá, contemplamos, no segundo dia, após todos os
preparativos, o nascer do sol.
O
hotel fica na chamada Ponta do Farol. De lá, se traçarmos a linha de praia,
percebemos que ela toma uma direção bem mais leste/oeste que as outras praias. Resulta que,
neste mês de julho, nos oferece um sol aparecendo, ao amanhecer, lá na
fronteira do Chapéu virado com o Porto Arthur e de tardinha, do outro lado, mais
um espetáculo nas mesmas águas da baía do Guajará/Marajó. Maravilha!
E
eis que diante de tanta beleza, de par com a história do hotel, me bateu a
cuíra de voltar mais ainda no tempo e me juntar aos tupinanbás, buscar um peixe
bom, tratar, tirar o fato, envolver o pescado na folha de guarumã. Além, acender
a fogueira com gravetos do murucizeiro, montar um tapirizinho e sobre ele
lançar e entregar o peixe embrulhado ao fumeiro. E ficar ali, ao tempo e à paz,
só apreciando o moqueio no Mosqueiro.
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