O vovozinho pavuleiro
Umbora
chamar é que é as crianças pro salão, cuidemos a balançar as maracas, a atritar
as matracas. Vamos catar cotoquinhos de carvão para desenhar bigode e suíça na
meninada. Ao comando do marcador, nos demos as mãos e formemos um só coração a
pulsar na grande roda. Alguém logo, tenha a bondade de puxar um retumbão, um
xote, o carimbó da minha vovó, um encarreirado de quadrilha, que seja. Eu quero
ver, meu bem siriar. Que é Junho.
É
festa dos santos. Momento de exaltar costumes antigos e selar compadrios no
brasio varonil das fogueiras. Época mais festeira do ano com espaço para doces
crenças, inocentes simpatias, todas as histórias, novos e velhos amores
brotados dos terreiros embandeirados. Tempo de fazer uma extravagância e
comprar uma caixa de estalinhos para cada criança da casa, pra não ter briga; e
também um feixe de estrelinhas, aquele fiozinho de papel enrolado de um jeito
torcidinho que a gente acende, mal solta umas luzinhas faiscantes e já acaba. Mas
que dá um negócio na gente, um encanto! A estrelinha é minha brincadeira
preferida dentre as tradições cintilantes da época. Ganha de dez do foguetinho
e do chuveirinho.
É
tempo de mingau de miibranco e todo o mundo de comida gostosa. De cocadinha... Do
Boi Pavulagem do meu coração.
Este
mês estarei rente como pão quente no Arrastão e também, celebrando a primeira
saída do folguedo às ruas depois do brutal ataque do vírus vil. Protegido pelas
três doses, e confiando que a turma que vai às ruas, da mesma forma, se
imunizou, vou dar um pulinho na praça. Pero no mucho. Como agora sou vovozinho
pavuleiro, tenho que aquietar o facho. Nada de aglomeração e sol quente. Quedar-me-ei
ao largo de uma frondosa mangueira, e a uma prudente distância do cortejo.
Ansiosamente tratarei o tempo na bicora do show do Arraial do Pavulagem. Antes, lá pela concentração, vamos apresentar
o encantamento da festa à netinha. Bater um retrato com ela no cavalinho, nos
barquinhos, com os estandartes, ao pegado do boi. Seguir ao largo os pernas-de-pau.
Iniciar a pequenina como pavuleira no batalhão das estrelas.
Este
ano é a conta para experimentar esta mudança radical no desenrolar do meu
domingo pavulagem: tomar conta da netinha, procurar sombra, menos agitação...
porque olha, já fui da fuzarca. Ponta de lança da brincadeira. Era o pri.
Noves
fora, os primeiros anos, quando a alegria se estirava pelo quadrado da praça,
destaco outros mais apurados. Aqueles alastrados para além do centro. Era
quando, terminada a apresentação na praça, a banda rumava para outros shows
pelos bairros da cidade. Eu atrás. Às vezes só com uma coxinha e um caldo de
cana pra enganar a fome. Me abalava. Só varava em casa já de noitinha e pitiando
só a moleque de tanto sol, suor e cerveja.
Hoje
entendo que a folia realizada pelo Arraial é prosa demais grande para marcar
esta coluna. Não cabe em pauta finita. E nem é a pura concretude deste raso
mundo. É sonho profundo e fantasia abissal. É imensidão de sentimentos,
impressões, sensações. Tem-se como calorão de Belém adocicado, que a gente nem
sente, lá no meio, tentando acompanhar as coreografias. Um aquecimento de alma.
Um abrasamento do espírito. Ebulição de um amor perto. Acolhimento. Som.
Reencontros. Áureas amizades. Transe desejadíssimo que está de volta, animando
Belém. Graças à vacina, ao bom pai e aos abnegados artistas populares. Umbora
chamar é que é as crianças, a netinha. É mês de brincar no Pavulagem e festejar
os santos joaninos.
Maravilhosa crônica Sodré. Hoje em dia quando vou pro arraial, sinto a mesma energia de quando eu tinha meus 20 anos, mas o corpo não é mesmo kkkk
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