Contra a azia e melancolia
Tenho
recorrido a emplastos de poesia, contos, crônicas, romances longos e clássicos,
chá de boldo, bases químicas efervescentes sabor abacaxi, diálogos saneados,
risos medidos e comedidos, ricos em serotinina; de quando em vez, uma fresca ao
entardecer à beira da Guajará. Música a qualquer hora e em doses cavalares; artes
plásticas banhadas de cores e sensações; celebrações teatrais, mímica,
contorções, malabares, encenações. Tragicomédias nas esquinas. Lanço mão, não
raramente, de enzimas sintetizadas para ajudar na digestão, as antigas pílulas
do mato (?) e macerados de melão de São Caetano com uma tirinha de cidreira
para dar o charme. Contra azia e melancolia, blends de tratamentos. Mix de
intervenções. Sobreversões de prescrições terapêuticas. Um copo de água aqui,
leitinho morno ali, um vídeo de humor na plataforma de streaming mais acessível,
infusões, garrafadas, chumaço de ervas aromáticas adquiridas aos salteios nas
barracas do Veropa. Também, me acudo a medicamentos contínuos alopáticos tarja
vermelha, uns de pingar nas vistas para dar brilho ao olhar, outros ingeridos
camuflados na banana, porque tenho engasgos nervosos, em horários contados. Amiúde,
me atenho a inspiração em dizer causos e à estratégica cautela ante o caos que
vivemos. Com fé, me largo a estímulos aeróbicos pautando uma boa e regular
caminhada. Contra azia e melancolia, a perseguição incansável da serenidade ao
largo pedreirense, o respiro cadenciado e o xingamento asseverado, contido, um
isso assim para ser lançado a tantos agentes da agressão urbana. Ah, seu
desconjurado!
Não
fosse o risco iminente de ser atropelado, receberia meu emplasto contra azia e
melancolia na íntegra a cada caminhada pelo estirão da Marquês de Herval. Uma
prática que aglutina toda a sorte de benefícios. No percurso, canto, recito
versos, imagino representações gráficas e interpretações dramáticas. Rio.
Choro. Ponho máscara, tiro máscara. Dou uns goles hidratantes e estabilizadores
na garrafinha que carrego atada ao pulso. Falo só. Filosofo cá dentro do
excitado coração, exato nos intervalos dos sprints (oba, sobrevivi, ofegante,
mas sobrevivi a mais uma acelerada!).
Há
um envolvimento, uma ação holística reparadora operando na minha caminhada e só
interrompida por uma buzina irritante, um freio brusco apavorante, um elogio mal’educado
matinal desferido por um motorista transtornado. Ocorre principalmente nos
cruzamentos regrados por semáforos. Ninguém respeita o transeunte. Se o sinal
está aberto, eles reinam passar por cima da gente. Se está fechado, nem seu
Souza, aí é que eles fazem conversões, manobras irregulares, avançam sinal e
vão dar de palmo em cima com o pobre do caminheiro. Isso falando só dos
cruzamentos. Não se conta ainda a subversão de motos e bicicletas invadindo a calçada,
atravessando e cortando caminhos pelos canteiros. É comum o caminhante parar e
dar preferência, beneficiar o infrator.
Procurar
saúde movimentando o corpo no estirão da Marquês, mesmo que cedinho, no horário
de pouco movimento de carros, é uma aventura que exige cuidados. Uma pena,
porque aprecio.
De
cá até lá onde os igarapés da Visconde e da Três de maio se juntam para formar
o Galo, é o puro desvendar da Pedreira. Um atravessar de histórias e memórias.
Chegar ali é como dominar o início e o fim (deste amor que, do meu jeito, sei
amar) no mesmo tempo, no mesmo espaço. É o meu emplasto pra azia e melancolia.
O
custo é eu desviar dos sustos que atravancam o meu caminho.
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