Luz do dia
Eu
sempre quis fazer um poema luz do dia Luzia. Ornado de tua voz, teus conselhos,
teus mimos. Tecido também a carõezinhos e ralhos doces, pois que a ti, toda a
razão de mãe.
E
saudades, muitas saudades.
Por muitos anos além de agora, vou carregar a prenda
de te fazer versinhos. Cerzidos de rimas apaixonadas, talhados a carinhos,
arrematados ao pedal da gentil Vigorelli. Prateadinho, meu poema, como as
lantejoulas que enfeitavam a bolsinha que carregavas para toda parte que ias, e
que te dava uma elegância, uma postura elevada, como de quem flutua em brisas
musicais.
E
que maravilha teu canto. Eu sempre quis te dar um poema musical. Arranjado em
flores melódicas, enriquecido no ritmo, cadenciado, como um reguinho de águas
suaves que desce os barrancos do rio Acre. Uma cantiga que traga aquelas noites
de volta, quando faltava luz, a gente se aninhava na rede, tinha meio sim, meio
não da vida triscada pelo clarinho da lua que varava as frestas da nossa
casinha de madeira e nos largávamos aos encantos da programação noturna de
Celestino, Nélson, Dalva, Emilinha. Assim, assim se passaram os anos. Tanto que
durou este chamego! Até quando eu já era bem taludinho. Houve um tempo que não
tinha mais blecaute, mas a música me levava sempre a ti, ao teu colo, como um
filhinho zinho amamãezado. Encantado pela voz Luzia.
(Certa
vez não te quis fera. Instintiva. Imediata. Escondi o feito feio e falso
daquele homem querendo me enganar enquanto eu te esperava na frente da Grisolia,
na hora que fazias as compras de peças para a confecção das flores de plástico.
Chegou o sabichão, a puxar a sacola da minha mão. Era molequinho esperto da
Pedreira. E era cria de Luzia luz do dia, mas quando que deixaria o gatuno me
levar o que conseguíamos com tanto sacrifício diário. Concluídas as compras
partimos para a Lobrás para aquela merenda de pão quentinho com queijo
derretendo de puxar e ficar um fiozinho graxo pendendo pelo canto da boca; e um
guaraná Vigor muito do seu no jeito de gelado. Eu, ó, sem dar um pio sobre o caso
passado com o vigarista. Não atiçaria a ira santa de mamãe em plena merenda da
tarde. Ainda mais que dali a pouco visitaríamos aquela prateleira minada, têi
têi de esparramar pelo chão, os coloridos sonhos de valsa. Mas quando que
animaria a fera! Calminha, na paz, era garantido que pelo menos uma
tentaçãozinha achocolatada ela levava para cada uma das minhas irmãs. O meu
bombom era devorado ali mesmo, com o apelo do olhar pidão.
Também
não era de zanga, contemporizava, relevava. Me ensinou a responder aos moleques
que me atentavam na Aparecida perguntando por que eu era baixinho. Porque Deus
quis, orientava luz do dia Luzia, a resposta que eu deveria disparar no qual
pega para a molecada.
Em
toda a caminhada me proveu de consolos, de atenuantes antiencarnação que, por
finalidade, me dotavam como pequeno grande homem, pequeno no tamanho, mas
grande na inteligência, dizque. Coisa de mãe, defesa, reação civilizada,
antibullyng, proteção. Na rua, pros outros me elevava a estima, me alçava acima
dos ranços e dos preconceitos. Era um teba. Em casa, era amorzinho de mãe, no
colinho. Até quando eu já era pai de filho, barbado. Até aquele maio devastador).
Flores
de maio, contraditórias multimatizes. Euforia e tristeza na parelha. O mundo
emborcando. Num instante a pupila luminosa, noutro reza carpideira e lamento.
Numa hora sol equinocial, noutra, céu nublado .
Eternamente
no coração, mamãezinha querida. Hoje, canto de despedida e saudade.
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