Ora direi, ouvi vós, o sacolão
Mina
de coisa acontecendo, ligeireza dos feitos e fatos. Ocorre que rodei o botão da
TV e acertei num programa que explorava o tema da educação domiciliar. De cá,
um professor, habilitado em assuntos ligados à Pedagogia. De lá, a soberbia da
mãe.
Nem
sou especialista nem nada. Digo até que sobre esta questão de ensinar o filho
em casa, calço a percata da humildade. Abro totalmente a guarda. Na escola, há
profissionais capacitados, experientes, com vivências múltiplas e que podem nos
ajudar de modo apropriado na formação de nossas crianças. Desde o Ivo viu a
uva, até a Teoria das Cordas, passando pelos segredos da alma, pelas
intermitências comportamentais e morais. O aprendizado para o mundo e para a vida,
penso aqui, cavucando motivos nos meus apontamentos, tem um pilar poderoso
fincado no ambiente escolar. Este mesminho meu ponto de vista, foi defendido
pelo professor no debate que vi na TV. Eu me daria por satisfeito em partilhar
a idéia, tornaria ao meu mundo, desligaria a TV ou procuraria um filminho pra
chamar o sono, não fosse o martelar tonitruante no meu cocuruto, da mãe em
defesa do ensino doméstico. O que me causou sentidos chiliques foi a
argumentação da mãe amparada no raso da palavra (e aqui, faço um breve aparte
neste relato, para dizer sobre a tenebrosa relação que fiz entre os ditos e
defendidos pela mãe, no programa de TV, com um dos temas mais asfixiantes do
romance 1984 do escritor inglês George Orwel, que exato por agora, terminei de ler.
O romance fala de uma sociedade totalmente dominada e define como uma das
ferramentas principais deste domínio, a língua. Há uma severa restrição na
articulação e elaboração das palavras. Ocorre também, a redução drástica de termos,
orações ou mesmo enunciados cujo o uso faça a menor menção de abalar o sistema.
Uma das estratégias para manter a engrenagem opressiva operando é a ressignificação
dos termos. E aí entra a mãe, quando elaborava argumento de defesa ao ensino em
casa. Percebi que declamava um tipo de mantra. Um código imutável alinhavado em
símbolos caríssimos da língua como liberdade, educação, família, direito, paz,
amor. A todos esses significantes, dava o mesmo valor, um valor pessoal.
Inarredável. Apropriado por uma crença, atado a um indisfarçável fanatismo. Que
nem no livro do George Orwel. Credo! Um risco. Um traço social assustador. De
dar gastura dentro da gente, éraste!).
A
manipulação da comunicação é uma arma poderosa. É capaz de desmoralizar o
sacolão dos gregos. Porque usa como munição, as palavras.
O
sacolão dos gregos foi uma alegoria que inventei quando palestrava para os
estudantes de um cursinho popular em Barcarena. Representava o apurado
gramatical tecido nos primórdios da expressão do pensamento ocidental. Estava tudo lá, dentro do sacolão. Eu vinha de
um curso espetacular ministrado pela professora Alessanda Vasconcelos, do
Campus de Abaetetuba e de lá, trouxe o sacolão cheio de palavras escolhidas
cada uma à sua missão e as retirava a tempo e a hora das demandas apresentadas
pelos estudantes. E de lá saíam os adjetivos, os substantivos, os verbos com
suas vozes passivas ou ativas, os artigos e numerais tantos e infinitos. Partes
de um discurso diverso e verdadeiro, disposto a entrelaçar-se.
A
soberbia é uma palavra íntima da tirania. Pode estar presente em um almoço em
família de pessoas que defendem a escola domiciliar, chapinhando no raso das
palavras. E que, ante o sacolão desmoralizado dos gregos, e sem laço, vai pagar
de inocente entre os pratos.
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