sábado, 11 de junho de 2022

crônica da semana - sacolão

 Ora direi, ouvi vós, o sacolão

Mina de coisa acontecendo, ligeireza dos feitos e fatos. Ocorre que rodei o botão da TV e acertei num programa que explorava o tema da educação domiciliar. De cá, um professor, habilitado em assuntos ligados à Pedagogia. De lá, a soberbia da mãe.

Nem sou especialista nem nada. Digo até que sobre esta questão de ensinar o filho em casa, calço a percata da humildade. Abro totalmente a guarda. Na escola, há profissionais capacitados, experientes, com vivências múltiplas e que podem nos ajudar de modo apropriado na formação de nossas crianças. Desde o Ivo viu a uva, até a Teoria das Cordas, passando pelos segredos da alma, pelas intermitências comportamentais e morais. O aprendizado para o mundo e para a vida, penso aqui, cavucando motivos nos meus apontamentos, tem um pilar poderoso fincado no ambiente escolar. Este mesminho meu ponto de vista, foi defendido pelo professor no debate que vi na TV. Eu me daria por satisfeito em partilhar a idéia, tornaria ao meu mundo, desligaria a TV ou procuraria um filminho pra chamar o sono, não fosse o martelar tonitruante no meu cocuruto, da mãe em defesa do ensino doméstico. O que me causou sentidos chiliques foi a argumentação da mãe amparada no raso da palavra (e aqui, faço um breve aparte neste relato, para dizer sobre a tenebrosa relação que fiz entre os ditos e defendidos pela mãe, no programa de TV, com um dos temas mais asfixiantes do romance 1984 do escritor inglês George Orwel, que exato por agora, terminei de ler. O romance fala de uma sociedade totalmente dominada e define como uma das ferramentas principais deste domínio, a língua. Há uma severa restrição na articulação e elaboração das palavras. Ocorre também, a redução drástica de termos, orações ou mesmo enunciados cujo o uso faça a menor menção de abalar o sistema. Uma das estratégias para manter a engrenagem opressiva operando é a ressignificação dos termos. E aí entra a mãe, quando elaborava argumento de defesa ao ensino em casa. Percebi que declamava um tipo de mantra. Um código imutável alinhavado em símbolos caríssimos da língua como liberdade, educação, família, direito, paz, amor. A todos esses significantes, dava o mesmo valor, um valor pessoal. Inarredável. Apropriado por uma crença, atado a um indisfarçável fanatismo. Que nem no livro do George Orwel. Credo! Um risco. Um traço social assustador. De dar gastura dentro da gente, éraste!).

A manipulação da comunicação é uma arma poderosa. É capaz de desmoralizar o sacolão dos gregos. Porque usa como munição, as palavras.

O sacolão dos gregos foi uma alegoria que inventei quando palestrava para os estudantes de um cursinho popular em Barcarena. Representava o apurado gramatical tecido nos primórdios da expressão do pensamento ocidental.  Estava tudo lá, dentro do sacolão. Eu vinha de um curso espetacular ministrado pela professora Alessanda Vasconcelos, do Campus de Abaetetuba e de lá, trouxe o sacolão cheio de palavras escolhidas cada uma à sua missão e as retirava a tempo e a hora das demandas apresentadas pelos estudantes. E de lá saíam os adjetivos, os substantivos, os verbos com suas vozes passivas ou ativas, os artigos e numerais tantos e infinitos. Partes de um discurso diverso e verdadeiro, disposto a entrelaçar-se.

A soberbia é uma palavra íntima da tirania. Pode estar presente em um almoço em família de pessoas que defendem a escola domiciliar, chapinhando no raso das palavras. E que, ante o sacolão desmoralizado dos gregos, e sem laço, vai pagar de inocente entre os pratos.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário