A voz do vento
Boa
parte do meu ócio, ou do espremido do dia. Apegado à fresta dos instantes e aos
sins das oportunidades possíveis.Um bom bocado de tempo, enfim, por termos e
tentos, da minha vida, passei à beira da baía do Guajará. Queria ouvir a voz do vento.
Houve
uma fase que até pensei acontecer um papo maneiro com a brisa do terral. Era
quando eu atravessava esta baía, lá pela uma da tarde, no barcão dos
estudantes, varado de fome, depois da aula na UFPA. Me conformava com um completo
de coxinha e suco no Veropa, quando não, ou mesmo na maioria das vezes, que
diga, me valia de um saquinho de pupunha, duas mentas, minha garrafinha de
água, e embainhado na euforia daquele corre, descia, ligadão, na última parada
do ônibus antes de dobrar para o Conde, e corria pra passar meu cartão no
relógio do ponto, já na batida da campa da tolerância de atraso para minha
jornada de peão de turno.
Não
custou muito para eu entender que não havia conversa nenhuma com o vento naquela
peleja.
Essa
minha busca iniciou-se lá trás no ônibus dos padres. Praticamente todos os
garotos eram alunos da Escola Salesiana. Eu não. Já estava na Escola Técnica,
andava, dizque, só querendo me amostrar pelo estirão da Mauriti, com meu
uniforme diferente, bata azul clarinha e calça preta, o bolso com aquele
é’zinho invocado, todo pintoso com minha régua tê de madeira.
Estava
no ônibus salesiano como convidado. O rumo era a casa dos padres na Baía do
Sol, para um encontro de iniciação no grupo de jovens da Escola. Até aquela
viagem, eu só havia pisado na igreja uma vez. Num batizado no qual, por uma aprontação
federal da mamãe, eu seria o padrinho. Coisas de Luzia. E totalmente desconforme.
Sei, pois, que batizado eu era. Recebi a aguinha na cabeça, lá pelas lonjuras
do Xapuri, contudo a primeira comunhão eu não tinha feito não. Estava devendo
pencas pros sacramentos. Não era merecendente de ser padrinho.
O
caminho da graça, da piedade se desenhava, para mim, ali naquela viagem até
Mosqueiro e se realizava na canção que os meninos cantavam. A decisão era
minha. Conforme o adiantado do retiro, as peças foram se juntando, as visões
desanuviaram, o padre botou fé e me fez receber a primeira eucaristia ali na casa
da Baía do Sol, não antes que eu lhe contasse uns pecadinhos, coisinha pouca, quitados
em dez Ave Marias, não mais.
Foi
uma guinada suave. Nem era um desguiado. Não era um menino mau. Então o
Movimento católico a mim, só me trouxe incrementos, argumentos e compreensões
em quantidades generosas e que foram se somando ao calibre de menino bom e
intelixente!!!! que eu já tinha e praticava na minha lida diária. O certo
mesmo, reforço, o que me ficou marcado foi o clima daquela galerinha no ônibus
da EST. Uma energia revigorante, nova, latejante, me estimulou bastante na
estrada. E vinha do fervor com que os meninos entoavam os cânticos. Eu não
sabia nenhuma música. A voz do vento, porém, pôs-se em mira, tornou-se alvo das
minhas buscas e reflexões.
Tentei
ouvir a voz do vento nos lugares que andei. Cheguei bem pertinho de pessoas
especiais, boníssimas, sendo que, tão humildes, silenciavam. Criei imagens,
elaborei roteiros, presenciei vendavais dentro da mata. Verdade, houve um
farfalhar, um assobio da cruviana, mas não era a voz do vento.
Sempre
que posso, volto ao Veropa. Bem na hora do terral. Vento que se espalha alegre
pela beira. Aprumo os sentidos. Percebo que sinto falta de tanta coisa!
Entendo
que a gente sente falta de paz, de pão, de voz.
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