sábado, 9 de abril de 2022

crônica da semana - pium

 Pium, porvinha e outros bichinhos

Não vou dizer que não conhecia. Talvez, um ou outro contato esquecido no tempo, pelos campos do Acará ou praias de Mosqueiro, que foram os lugares mais longes que andei, quando era molequinho amamãezado raiz. Em Rondônia foi que conheci valendo o pium. Bichinho ousado. Destemido. Não aliviava couro de ninguém. Na vila em que morei, todo mundo tinha na pele a lembrança, fartamente marcada, das picadas de pium. Nos primeiros dias me assustei. Tinha medo de malária e ao ver as pessoas pintadinhas daquele jeito, achava que era uma reação, ou o que hoje chamamos de sequela, do sezão. Era não. Era um capricho do pium. Picava de forma muito doída e era de lote, de ruma, de tal jeito que enquanto a gente espantava um com um tapinha escolhido, outros quantos se refestelavam com nosso sanguinho. Quando desapregava satisfeito, deixava na pele uma pinta bem vermelhinha que depois de um tempo, preteava e formava um salpicado no corpo da gente que custava a desaparecer, sumiço este que não adiantava muito, momentâneo, porque o pium, danado que era, reeditava o ataque a toda hora, renovando a arte. Era uma tentação. Todavia, sempre tem o herói. No caso, o Negreiros. Era peão rodado. Eu, pela coragem, astúcia, bigodão e estatura apequenada (menor que eu ainda que já sou baixola), o chamava de Asterix. Negreiros juntava a peãozada e dava o show. Dizia que faria os mosquitos morrerem de traumatismo craniano. Em seguida, tirava a camisa e deixava os piuns sugarem o sangue dele na boa. Não dava tapinha, não espantava. Ficava imóvel aguentando o efeito da picada. A gente chegava perto e comprovava a transfusão. O corpo no inseto, de fino revestimento, ia se avermelhando de sangue, criando volume, até ficar têitei, do pium não agüentar o próprio peso. Um por um, aquele bolinho vermelho abandonava a vítima, tentava sair voando, mas não conseguia. Perdia estabilidade e embicava de cabeça até se espatifar no chão. Ou morrer de traumatismo craniano, como anunciava o Asterix Negreiros. Nem todos eram heróis. A gente penava no bico, imagino, aciculiforme do pium. Até que o tempo mudava, e eles davam um tempo. Mas quite paz. Aparecia o porvinha (que eu acho ser o mesmo pólvora citado inclusive como tormento dos bandeirantes nas entradas que faziam pelos sertões do Brasil). Este não deixa bolinha de sangue. Causa aquela coceira queimosa. Vem também só na avantajada patotagem e para mim, tem um diferencial do pium. Não se entrega à derrota fácil. Não é assim, no repente da reação, por um tapinha, um abano de mão ou traumatismo craniano que o abatemos. É bichinho poeirinha, invisível. Dá a ferroada e some.

Para o meu mais completo desassossego, sou sensível além dos termos comuns a estas ferroadas. Ao contrário do presunçoso Asterix Negreiros, sofro. Pior é que parece que tenho um chama, uma ligação com o agressor.  Pode ter gente pacas reunida. Mas o sangue escolhido pelo hematófago, de qualquer espécie ou qualidade é exato o meu. Certa vez passei por um momento de pânico. Fazíamos uma varação pela mata eu e minha equipe. Uma penca de gente. Todo mundo passou pelo arrodeio do lajeiro. Quando foi minha vez, dei de encontro com uma folha que era a pura urbe de minúsculos carrapatos loiros. Fui envelopado pelos aracnídeos. Tive que tirar toda a roupa no meio do mato para tentar me safar. Passar tabaco no corpo. Um aperreio de marré. Para completar a desdita só faltava aparecer uma anaconda, naquela hora. E apareceu! Só que essa é outra história.

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