Pium, porvinha e outros bichinhos
Não
vou dizer que não conhecia. Talvez, um ou outro contato esquecido no tempo,
pelos campos do Acará ou praias de Mosqueiro, que foram os lugares mais longes
que andei, quando era molequinho amamãezado raiz. Em Rondônia foi que conheci
valendo o pium. Bichinho ousado. Destemido. Não aliviava couro de ninguém. Na
vila em que morei, todo mundo tinha na pele a lembrança, fartamente marcada, das
picadas de pium. Nos primeiros dias me assustei. Tinha medo de malária e ao ver
as pessoas pintadinhas daquele jeito, achava que era uma reação, ou o que hoje
chamamos de sequela, do sezão. Era não. Era um capricho do pium. Picava de
forma muito doída e era de lote, de ruma, de tal jeito que enquanto a gente
espantava um com um tapinha escolhido, outros quantos se refestelavam com nosso
sanguinho. Quando desapregava satisfeito, deixava na pele uma pinta bem
vermelhinha que depois de um tempo, preteava e formava um salpicado no corpo da
gente que custava a desaparecer, sumiço este que não adiantava muito, momentâneo,
porque o pium, danado que era, reeditava o ataque a toda hora, renovando a
arte. Era uma tentação. Todavia, sempre tem o herói. No caso, o Negreiros. Era
peão rodado. Eu, pela coragem, astúcia, bigodão e estatura apequenada (menor
que eu ainda que já sou baixola), o chamava de Asterix. Negreiros juntava a
peãozada e dava o show. Dizia que faria os mosquitos morrerem de traumatismo
craniano. Em seguida, tirava a camisa e deixava os piuns sugarem o sangue dele
na boa. Não dava tapinha, não espantava. Ficava imóvel aguentando o efeito da
picada. A gente chegava perto e comprovava a transfusão. O corpo no inseto, de
fino revestimento, ia se avermelhando de sangue, criando volume, até ficar
têitei, do pium não agüentar o próprio peso. Um por um, aquele bolinho vermelho
abandonava a vítima, tentava sair voando, mas não conseguia. Perdia
estabilidade e embicava de cabeça até se espatifar no chão. Ou morrer de
traumatismo craniano, como anunciava o Asterix Negreiros. Nem todos eram
heróis. A gente penava no bico, imagino, aciculiforme do pium. Até que o tempo
mudava, e eles davam um tempo. Mas quite paz. Aparecia o porvinha (que eu acho
ser o mesmo pólvora citado inclusive como tormento dos bandeirantes nas
entradas que faziam pelos sertões do Brasil). Este não deixa bolinha de sangue.
Causa aquela coceira queimosa. Vem também só na avantajada patotagem e para
mim, tem um diferencial do pium. Não se entrega à derrota fácil. Não é assim,
no repente da reação, por um tapinha, um abano de mão ou traumatismo craniano
que o abatemos. É bichinho poeirinha, invisível. Dá a ferroada e some.
Para
o meu mais completo desassossego, sou sensível além dos termos comuns a estas
ferroadas. Ao contrário do presunçoso Asterix Negreiros, sofro. Pior é que
parece que tenho um chama, uma ligação com o agressor. Pode ter gente pacas reunida. Mas o sangue
escolhido pelo hematófago, de qualquer espécie ou qualidade é exato o meu.
Certa vez passei por um momento de pânico. Fazíamos uma varação pela mata eu e
minha equipe. Uma penca de gente. Todo mundo passou pelo arrodeio do lajeiro.
Quando foi minha vez, dei de encontro com uma folha que era a pura urbe de
minúsculos carrapatos loiros. Fui envelopado pelos aracnídeos. Tive que tirar
toda a roupa no meio do mato para tentar me safar. Passar tabaco no corpo. Um
aperreio de marré. Para completar a desdita só faltava
aparecer uma anaconda, naquela hora. E apareceu! Só que essa é outra história.
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