O teste
Alimento
a ilusão de que, hoje em dia, as pessoas não fumam como antes. Esta minha
opinião foi contestada dia desses, numa rodinha de conversa. Fumam sim, me
afirmaram. Eu não percebo. Talvez seja ainda até uma aventura experimentada
pelos jovens. A turma da minha geração, há muito largou mão dos traguinhos. E
se há ainda este movimento na juventude, nem de longe lembra o aprisionamento
que era este costume fumacento. Até vejo mesmo uma turminha jovem fumando, mas,
um aqui, outro ali, poucas vezes ostentando carteiras cheias. Me parece que na
mesma pisada que aceitam a experiência, a abandonam logo adiante.Torço pela
ilusão.
Mamãe
fumava Continental sem filtro. Trazia o vício dos cotidianos destemperados do seringal.
Naqueles ermos do Acre, fumar era uma distração, um passa-tempo e um prazer
compulsório.
De
volta a Belém, com a filharada pra cuidar, a solidão, o preconceito e as
incertezas, o hábito ganhou o caráter de um custo avolumado dentro de um
orçamento doméstico assim, ó, de pequeno. Um vício duro de administrar e
difícil de justificar junto a pessoas próximas que nos ajudavam na lida diária:
não tinha dinheiro pra prover a casa, mas tinha para o cigarro, alfinetavam ao
largo.
Preservou
a amizade com o cigarrinho até quando a tosse e os sufocamentos permitiram.
Antes, passara, com certa resistência ao Continental com filtro, aquele da
carteira azul, muitas vezes possível, graças ao caderninho que tínhamos com seu
Manoel, proprietário da taberna da esquina, que nos aviava com uma cara
emburrada, mais para esconder a generosidade refletida no caderno das contas,
que para nos constranger. A cada meia quarta aviada de um isso ou de um aquilo,
com voz marcante, indagava: quei’ra mais? Era o sinal que o saldo no caderno
garantia mais umas coisinhas. Cheirava rapé e tinha um bigodão de português.
Eu era
um crítico da mamãe. Não aceitava o fato d’ela fumar e vez ou outra, ser
hostilizada por acender um cigarro na frente de parentes ou amigos. Mas como
minha mãe dizia, o futuro a Deus pertence. Não julgueis.
Deu-se
o dito. Assim que me larguei no mundo para correr trecho, não resisti aos
apelos. Fumei de tudo. Houve uma época, em Altamira que, confinado no mato, meu
suprimento acabava e eu caia dicunforça no tabaco dos pequenos da minha equipe.
Aprendi a tecer no abade e fazia uns cigarrinhos assim de jeitosos, justinhos,
apertadinhos, parece que tinham vindo da fábrica. Para atenuar o baque nos
pulmões, eu introduzia um filtro de algodão, quando não, o âmago da embaúba,
que fazia, com muita eficácia, as vezes. Ô vício maldito! Dei um trabalho
danado pra minha companheira, já em Belém, quando amarguei um período sem
emprego e a ela coube a missão de bancar meus caprichos. Pecado mortal este. Um
sofrimento. Passei poucas e boas por causa do cigarro. Do meio pro fim, recorri
ao retalho, fiz tentativas de parar, usei marcas mais fortes para me intimidar,
aquele, o Amigo. Em vão.
Quando
larguei o vício, fiz um teste. Me expus ao melhor cigarro. É aquele que, numa
festa, fica lá, em cima da mesa, abrigado em uma carteira farta, de ninguém, de
todo mundo, só te esperando. Era uma comemoração na casa de amigos. Brinquei,
tomei uma cervejinha, comi vatapá, camusquim, uns docinhos. Passei ene vezes
pela mesinha e a carteira, só me tirando, se atirando atrevida pra cima de mim.
Eu nem seu Souza. Não dei nem as horas. Estava curado. Este ano faz 26 anos que
larguei o cigarro e hoje sou um não fumante chato, como o era com mamãe.
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