Roupa nova
Criança
quer brincar. E deve brincar na idade que tem. Seja velhinha no cuidado da
varanda, seja no berço apreciando o móbile. Seja homem maduro apanhando o
ônibus lotado no final do expediente. Ou executiva independente livrando-se dos
sapatos depois de um dia de formalidades. Criança de todas as idades, serelepe
e pidona, encosta o nariz na vitrina. Expande o olhar, localiza no fim da
prateleira, a bola Rivelino, as pecinhas de montar, aquele conjunto de mágica.
Deseja arvorinhas coloridas de Natal, uma lata de petecas, o ludo com aquele
dadinho novisco, um tubo de varetas coloridas. Tudo cobiça. Ah, o autorama! Quem
me dera um aquaplay! Reina pegar aquele mundo de brinquedos, colocar num saco e
ganhar as ruas de sonhos.
Conto
que não canso por aqui que minha perdição é a bola. E que até hoje, não resisto. Às vezes, perambulando
mesmo por corredores de lojas chiques e formatadas nos recatos do ar refrigerado,
nem somo com as etiquetas. Se passo ao pegado das gôndolas, desço uma bola, dou
umas solas, realizo uma embaixadinha, uso, presunçoso as duas pernas, aparo
naquela amortecida de fina categoria, de colar a pelota no peito do pé e depois
devolvo a redonda batizada para a exposição. A turma da loja, reclamar,
reclama, mas releva por fim, ao conferir o velhinho aqui dar à luz as
presepadas com a bola, como se criança sem regras fosse.
Bato e
rebato que no Natal, as crianças têm que ganhar presentes. E o mimo tem que ser
da parte da brincadeira, peças lúdicas, artes do divertimento. Algo que as faça
sonhar, liberte a imaginação, ative os sensores da felicidade. Porque nada mais
insosso que, em plena manhã do dia 25, sair para a rua de mãos vazias. E ainda
ter que responder com aquela sensalzice, pra garotada que se diverte a valer
com seus brinquedos, que ganhou sim um presente. Ganhou uma peça de roupa nova.
Minha
geração era ali, ali para enfrentar esse desconcerto. Penso que havia uma regra
básica que definia não ser importante para criança pobre, ganhar brinquedo.
Tinha que receber do bom velhinho, haveres objetivos, de fins práticos. De vera
era mais uma ajuda para viver os dias. Uma roupa de sair, um par de sapatos que
servia para ir à escola e a todas as outras partes, aquele pacote escolar,
lápis, borracha, cartilha universal e um caderno de papel almaço com pauta.
Tudo deveria ser útil e do uso diário.
Mamãe
era dada a essa arrumação. Né querer falar não, nem cobrar a criação que recebi
de minha santa mãezinha, mas daquelas vezes que fiquei sem brinquedos de Natal
em troca de roupa nova ou coisa que lhe valesse tal e qual, tenho a maior
bronca. Me arrepio de banzo só de lembrar as manhãs inertes do dia 25.
Na lembrança
me ocorre, também, as campanhas da Escola Salesiana. Dona Mariazinha conseguia
inúmeras doações ao longo de todo ano. A garotada pontuava a cada carimbo que
recebia atestando a presença no oratório salesiano. No dia de Natal trocava os
pontos pelos objetos doados. Eu atuando como voluntário, e contaminado pela
frieza da serventia, procurava convencer os pequenos a levarem redes, panelas,
louças, víveres o máximo que os pontos pudessem comprar. Ainda bem que não
ligavam pra mim. Escolhiam era o que tinha de brinquedos e saiam de lá
transbordando de felicidade.
Os anos
passaram e sarei dos sentimentos vãos. Aviso logo, que se quiserem me
presentear, façam-me feliz no cuidado da varanda e me aviem com um brinquedo. Nada
de roupa nova. Vale o alerta de que tenho desejos frugais. Sendo uma bola...
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