Tim-tim
Sabe
como é que é né, bate um vento dali, eu me enxiro e me inscrevo na toada. Rezo
no tom e na voz do absurdo, do destrambelhado, do sem tento. E essa barulhada,
então...Um avião zoando perto, pousando de barriga na água guajarina ludugera
de triste fim. Mas faz tanto tempo!
Acho
que foi um sonho. Por outra, parece que foi só um pensamento criado. Nem foi tão
dia desses não. Foi também longe guajarino no tempo e no acontecido.
Rondônia
tem muita ladeira e eu vinha na direção de uma picape F75, descendo com mais de
mil. A estrada lisa que nem sabão. Aí, pisei no freio. Pra quê. A bicha saiu de
banda, feito lagartixa no azulejo. Naquela hora foi tudo e nada. Velocidade e
transe. Desilusão e esperança. Queda livre, atrito dolorido de rasgar o coração.
Saudade da minha mãe. Da Guajará de novembro no puro banzeiro, das histórias na
calçada plena Marquês só na piçarra e sem luz no poste. Vagalumes. Luzes
pipocavam aqui, acolá, como se fossem sol do meio dia em São Brás. E a ladeira
não acabava nunca. Encandeei. Fiquei ceguinho da silva, sem ver o fim, o
barranco, um monturo, um pedral pra dar de encontra e me livrar do desembesto.
Descia era com beira. Nessa época tinha amigos novos, de toda parte do Brasil.
Os pernambucanos frevavam; cariocas sambavam. Aqueles do sul sapateavam a
chula, mineiros cirandavam do jeito deles. Paulistanos performavam algo lírico
vanguardista. A picape levantou vôo e recordo que senti uma malemolência, um
banzo porque minha turma, aquelas amizades recém conquistadas, imaginei, não
mais veria.
Deu
duas voltas sobre si, a picape, no ar. Pensei que ia apagar, mas agüentei num
passamento que me embrulhou o estômago e me esbugalhou os olhos. Vi o Marajó.
Barquinhos, remos talhados na madeira leve, igarapé entrando pelos campos. A
água salobra no fim da praia. As luzinhas pararam de pipocar. Os olhos arderam
e a picape mergulhou no leito do igarapé que se estirava frio e fundo no limite
da ladeira. Silêncio.
Sonho
também com um palito de fósforo se apagando. A chama sumindo e aquela fumacinha
subindo numa sinuosidade debochada. Destibei! E a picape boiou do tabacuri.
Subi junto.
Era
tudo verde, calmo e bonito. Era tudo sereno e limpo. Era um vale vago, de uma
porosidade eterna. Era tudo sendo nada. A última chance, a única oportunidade.
Tudo e nada naquele instante. Um galho orvalhado pela chuva que havia caído à
noite toda, castigado a estrada e transformado aquela ladeira numa pista
ensaboada, passou em gentil oferecimento bem na minha janela. A água estava no
pescoço. Suspirava lembranças e uma força inexplicável. Suspirava súplicas.
Agarrei o galho com toda a força que meu universo de gentes, de amores, de
lembranças, de saudades, de seduções e crenças, pôde me ceder, e me puxei pra
fora da picape. Era tudo verde e mata, água correndo veloz e céu parado. Havia
sinais de Iarás, benzeções, mães d’floresta, senhor dos ermos, deus dos
afogados, anjo protetor de picape que desce ladeira descontrolada e morubixaba
piedoso. Tudo e nada. Um avião zoou barulhento ao longe na história ludugera e
triste guajarina. Eu criei asas e saltei para o barranco. Alguém me esperava lá
pras bandas de não sei donde. E era pra lá que eu ia. Voltei alheio pelo
caminho do feio. Subi a ladeira e sabe como é que é, né, bateu um vento dali, o
ar aquecido secou minha roupa e arremedou o assobio de uma canção antiga que
diz ser tudo e nada, tão somente, desencontros infinitos.
Tim-tim
para quem sobreviveu ao tabacuri.
Nenhum comentário:
Postar um comentário