Mingau de miriti
A gente
se socava naquele vão dominado pelas artes práticas da turma de Edificações. Nem
era nossa barra, mas houve uma época que programaram umas aulas naquele
pavilhão. Ao largo e ao fundo, umas palmeiras altas, com cachos minados duns
coquinhos corados de um castanho acetinado. Para nós eram pés de buriti.
Embaixo das palmeiras, nos aninhávamos ao final das aulas, nos encantávamos com
as criações do Hera da Terra e
caetaneávamos os versos doces de Cajuína.
Deu-se
em outro tempo, que na beira de Abaetetuba, em manhã de feira pra lá de
movimentada, fui levado a provar o mingau de miriti. Panelão quente, gente na
fila, soprinhos sobre o fumegado fluindo da cuia. Quando dei fé, no canto da
barraca, o cacho da fruta que era usada para fazer o mingau. Não me era o mesmo
coquinho de colorido acetinado lá do corredor de Edificações! Pirei na parada.
Buriti ou miriti?
Fui aos
universitários da beira e fiquei com a notação que a experiência abona; “Só sei
que toda a minha vida só ouvi falar em mingau de miriti. Fruta miriti, árvore,
brinquedo, cesto, miriti. Ponte sobre o rio, tala, poema e poesia, conto da
Neusa Rodrigues, miriti. Canto, vivência e dias ribeirinhos sob a bênção da
palmeira santa”.
De lá pra
cá, prosa que me dá ânimo é explorar a multifusão estética, as versões
sensitivas do miriti. Se me der na telha, disserto, viajo nos traços (nas
razões e também nas dúvidas de identidade-buriti) que esta palmeira enraíza na
história das gentes, da beira e do centro.
Pelo Círio, cuidei de dar atenção aos brinquedos. Em casa dei o alerta para que
se juntasse grana suficiente que desse para arrematar os espécimes possíveis.
Há uma razão para este cuidado. A época é a oportunidade de conhecer tudo em
quanto de miriti. Passada a quadra nazarena, o artesanato rareia na cidade. É a
hora e a vez. Depois a gente não acha mais. Em visitas às feiras, virei menino
pidão. Endoidei de tantos mimos. A família ressabiada, contava os tostões e
pedia para eu parar com as manhas que, nem bem começava o passeio pela
exposição, já se atiçavam. Por mim, enquanto não enchi as sacolas (apesar de
reiteradas admoestações com um “tu não vem mais!”) com as mais tradicionais
peças da produção artesanal, não me aquietei.
Agora
em casa, todo dia aprecio uma obra. Presto reparo, admiro detalhes,
contextualizo formas e expressões. Analiso a criação, os estilos, as
combinações.
E deixa
estar que no risco e no jeito das artes em miriti o que não se dispensa é a
harmonização. Eu me passo! Antes de tudo, vem a escala. Adaptada, mimoseada.
Nada é tão grande e o que pequeno é, agiganta-se na lembrança do cotidiano.
Tornam-se miniaturas grandes em expressão e cor. E as cores, então, digue lá,
suprimo. Tudo muito certinho e justo. Finos matizes que, ao mesmo tempo causam
alarde e intimidade. Ofuscam e revelam-se. Esnobam e contraem-se. As cores
pulsam. Estimulam os comandos da alegria adormecidos em nosso ser e a gente
vira menino pidão.
A
temática do artesanato em miriti fala a língua do povo. Peças e personagens do
cotidiano ribeirinho são retratadas com uma pontinha de fantasia, no entanto, de
faces verdadeiras e almas fecundas. A fauna, as casinhas de madeira, a roda
gigante, os mitos amazônicos, o remo e o barco, a passarada. Os coraçõezinhos
pendentes no móbile repassam um pedacinho do coração do artista para cada um de
nós.
Na
beira, vinga o verso doce. O mingau é de miriti e a palmeira é santa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário