domingo, 7 de novembro de 2021

crônica da semana - Mingau de miriti

 Mingau de miriti

A gente se socava naquele vão dominado pelas artes práticas da turma de Edificações. Nem era nossa barra, mas houve uma época que programaram umas aulas naquele pavilhão. Ao largo e ao fundo, umas palmeiras altas, com cachos minados duns coquinhos corados de um castanho acetinado. Para nós eram pés de buriti. Embaixo das palmeiras, nos aninhávamos ao final das aulas, nos encantávamos com as criações do Hera da Terra e  caetaneávamos os versos doces de Cajuína.

Deu-se em outro tempo, que na beira de Abaetetuba, em manhã de feira pra lá de movimentada, fui levado a provar o mingau de miriti. Panelão quente, gente na fila, soprinhos sobre o fumegado fluindo da cuia. Quando dei fé, no canto da barraca, o cacho da fruta que era usada para fazer o mingau. Não me era o mesmo coquinho de colorido acetinado lá do corredor de Edificações! Pirei na parada. Buriti ou miriti?

Fui aos universitários da beira e fiquei com a notação que a experiência abona; “Só sei que toda a minha vida só ouvi falar em mingau de miriti. Fruta miriti, árvore, brinquedo, cesto, miriti. Ponte sobre o rio, tala, poema e poesia, conto da Neusa Rodrigues, miriti. Canto, vivência e dias ribeirinhos sob a bênção da palmeira santa”.

De lá pra cá, prosa que me dá ânimo é explorar a multifusão estética, as versões sensitivas do miriti. Se me der na telha, disserto, viajo nos traços (nas razões e também nas dúvidas de identidade-buriti) que esta palmeira enraíza na história das gentes, da beira e do centro.

Pelo Círio, cuidei de dar atenção aos brinquedos. Em casa dei o alerta para que se juntasse grana suficiente que desse para arrematar os espécimes possíveis. Há uma razão para este cuidado. A época é a oportunidade de conhecer tudo em quanto de miriti. Passada a quadra nazarena, o artesanato rareia na cidade. É a hora e a vez. Depois a gente não acha mais. Em visitas às feiras, virei menino pidão. Endoidei de tantos mimos. A família ressabiada, contava os tostões e pedia para eu parar com as manhas que, nem bem começava o passeio pela exposição, já se atiçavam. Por mim, enquanto não enchi as sacolas (apesar de reiteradas admoestações com um “tu não vem mais!”) com as mais tradicionais peças da produção artesanal, não me aquietei.

Agora em casa, todo dia aprecio uma obra. Presto reparo, admiro detalhes, contextualizo formas e expressões. Analiso a criação, os estilos, as combinações.

E deixa estar que no risco e no jeito das artes em miriti o que não se dispensa é a harmonização. Eu me passo! Antes de tudo, vem a escala. Adaptada, mimoseada. Nada é tão grande e o que pequeno é, agiganta-se na lembrança do cotidiano. Tornam-se miniaturas grandes em expressão e cor. E as cores, então, digue lá, suprimo. Tudo muito certinho e justo. Finos matizes que, ao mesmo tempo causam alarde e intimidade. Ofuscam e revelam-se. Esnobam e contraem-se. As cores pulsam. Estimulam os comandos da alegria adormecidos em nosso ser e a gente vira menino pidão.

A temática do artesanato em miriti fala a língua do povo. Peças e personagens do cotidiano ribeirinho são retratadas com uma pontinha de fantasia, no entanto, de faces verdadeiras e almas fecundas. A fauna, as casinhas de madeira, a roda gigante, os mitos amazônicos, o remo e o barco, a passarada. Os coraçõezinhos pendentes no móbile repassam um pedacinho do coração do artista para cada um de nós.

Na beira, vinga o verso doce. O mingau é de miriti e a palmeira é santa.

 

 

  

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