Milhões de martelinhos martelando
Mas
quando que eu, rueiro de marré, vezeiro nas batidas em vãos e desvãos do
Veropa, em animadas folgas sabadais, me veria usar o fim de semana para visitas
tensas e aborrecidas a laboratórios clínicos e centros de diagnósticos. É,
molequinho inho inho. É a idade acossando em altas e sucessivas demandas.
É que
no indo e vindo da tragédia histórica que nos consome, deixei mazelinhas comuns
se acumularem. O medo de ambientes hospitalares, o ajuntamento em salas de
espera, e as difíceis relações sociais que se estabeleceram neste caos, me
fizeram esquecer de mim. Agora, com a segunda dose da vacina tomada, e números
menos dramáticos registrados na cidade, corro atrás. Não sem sobressaltos.
O mais
angustiante foi o dos milhões de martelinhos martelando, só que este desespero,
desenrolo em detalhes mais com pouco...
Antes,
uma sandice que merece destaque: estava eu com a bexiga por acolá de preparo
para uma ultra-sonografia, quando um cidadão do bem raiz entrou no prédio. Logo
foi orientado para pôr a máscara. Ruminou, grunhiu, mas cedeu. Fez-se notar.
Grandão, cabeleira farta desgrenhada, bermudão de marca e chinela pranchão. Na
recepção, questionou tudo. Por que assinar... tem que esperar? E falava alto
pra todo mundo ouvir, o que obviamente nos fazia a todos, que estávamos ali em
tempo de explodir de água na bexiga, temer perder a vez na força para aquele
bruto. A contragosto, sentou e esperou. Não sem provocar dor e apreensão. Ligou
o celular no volume mais alto. Era uma manifestação de patriotas a favor do
preço da gasolina a 7 Reais, que ao final de um discurso (que, compulsoriamente
ouvimos) foi encerrada com o hino da Independência, Ele passeava os olhos
intimidadores sobre nós da poltrona em frente como se nos cobrasse reverência.
Só não cantou o hino, porque, estou certo, não sabia patavina da letra. A minha
valência é que fui o próximo a ser chamado e o primeiro a se livrar daquele
patriotismo fora de hora (ora, a gente ali com a bexiga por acolá!). Em tempo:
eu sei cantar ao menos a parte mais popular do hino da Independência, e aprecio
em particular o verso "Os grilhões serão quebrados/da perfídia astuto
ardil”.
Outros
martelinhos martelaram no meu cocuruto e pareciam milhões.
Houve
um sábado em tive que fazer uma ressonância magnética. Não sabia o procedimento
não. Nem maldava ficar enclausurado por tanto tempo. Uma agonia só, visse. Uma
hora um silêncio, parece que todo mundo tinha ido embora. Noutro instante,
milhões de martelinhos martelando a cabeça, e na sequência uma zoada como a de
turbinas de aviões aquecendo. Mais uma vez, silêncio. Eu me aperreava era na
hora do silêncio. Beirava o pânico. Ali trancado, enfiado naquele tubo, sem me
mexer (sou disciplinado. Quando vou fazer esse tipo de exame já entro na
máquina prendendo a respiração, não é preciso nem mandar, e o máximo de
movimento que faço é um leve tamborilar nervoso com a falange distal). Neste
exame, dentro do tubo, ninguém fala com a gente. Toda vez que eu respirava me
vinha a impressão de escangalhar todo o exame e lá se vinham de novo os
martelinhos. Eu heim, me afogueei. Quase aciono aquela bolinha que dão pra
gente apertar.
E teve
outra vez que recebi contraste na veia e ao sair do hospital, meu braço sangrou,
e pra completar a derrota, começou a chover. Acreditem : o motora do ônibus
parou fora do ponto, me acudiu, me mandou ficar do lado dele, teve cuidado, desviou
a rota e foi me deixar em casa. Um patriota sem hino, aquele um.
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