sábado, 21 de agosto de 2021

crônica da semana - irmão coragem

 Irmão, é preciso coragem

Contava-se por entre as gôndolas, que eles tinham uma fazenda pras bandas de Paragominas e sempre que visitavam a propriedade, antes faziam compras em Belém. O supermercado que eu trabalhava como empacotador (ou boy, como era mais comum chamar a função) era um dos pontos de compras. Não vi Tarcísio e Glória assim de palmo em cima. Fiquei no meu posto e acompanhei de longe a vuca em torno dos artistas. Mas posso dizer que ali, em meados de 1975, tive um encontro com o João Coragem.

A imagem de Tarcísio Meira que marcou muita gente vem da consagrada novela de Janete Clair, que no início dos anos 70 parou o Brasil. O personagem João era símbolo de alguns valores pelos quais a sociedade brasileira, com muita coragem, luta até hoje. Na trama, temas como injustiça, cobiça, relações de interesse, preconceito social e racial eram abordados e canalizados às lutas constantes do núcleo de heróis.

Os sonhos de enriquecimento com diamante, a opressão e a perseguição aos garimpeiros faz da região um lugar dominado pelo malvado coronel Pedro Barros. O roteiro ganha brilho igual ao brilho do diamante que o personagem de Tarcísio Meira encontra e que de tão grande e tão valioso, pode mudar a realidade política e social daquela pequena cidade do Cerrado goiano.

Abordo aqui alguns aspectos da novela, passados 51 anos, com o apoio dos registros em vídeo, em resenhas publicadas, mas segundo minha mãe dizia, naquela época, quando somava pouco mais de 7 anos de idade, eu dominava os capítulos tintim por tintim e ela ficava besta de ver eu contar os episódios em detalhes no dia seguinte para meus coleguinhas da rua que não tinham televisão. Para ela aquela resenha era sinal de esperteza e inteligência. Orgulhava-se ante familiares, vizinhança, amigas do trabalho e exagerava no elogio ao filho que era assim tão “intelixente!”. Note-se que não economizava. Ia além e inventava no fim e na fonética. “Intelixente que só. Sabia contar a novela todinha”.

Não sei da vida do cidadão que fazia compras entre os corredores com cheiro de cebola e sabão em barra, naquele ano em que eu era boy de supermercado, mas do ator...

O talento de Tarcísio, a mim se mostrou em caras e jeitos que surpreenderam. Num dos momentos de maior relevo, precisou ter coragem. Foi quando enfrentou o preconceito e beijou outro homem no cinema. Imagino a reação dos tradicionais em ver o galã, o preferido de dez entre dez mocinhas românticas brasileiras se atracando com Ney Latorraca na cena final de “O beijo no asfalto”. Hoje com os tribunais da internet agindo, seria miudado nas ofensas e ameaças.

Confrontando com o estilo mocinho limpinho e pegador que reinavam imputar-lhe, acho outros quantos personagens que interpretou e que desapontaram os conservadores. A mim me foi absolutamente saudável ver em cena Tarcísio, o atrapalhado, na novela Guerra dos Sexos. Em outra ponta, o ator me causou asco vivendo o pervertido Dom Jerônimo, de A Muralha; e me estimulou a curiosidade, uma espécie de admiração malsã quando rasgou os sertões na pele do bandoleiro Hermógenes.

Em uma cena eletrizante da novela Irmãos Coragem, João sai para um confronto com um dos vilões que almeja tomar-lhe o diamante. Leva a pedra colada ao corpo, protegida. Confunde-se com ela...

Um ator que inspirou, que provocou reflexões sobre padrões de vida e comportamento, que incorporou o galã, o atrapalhado e o sujo, com a mesma grandeza. Brilha agora em outros palcos como o mais aquilatado diamante.

Aplausos!

 

 

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