Irmão, é preciso coragem
Contava-se
por entre as gôndolas, que eles tinham uma fazenda pras bandas de Paragominas e
sempre que visitavam a propriedade, antes faziam compras em Belém. O
supermercado que eu trabalhava como empacotador (ou boy, como era mais comum
chamar a função) era um dos pontos de compras. Não vi Tarcísio e Glória assim
de palmo em cima. Fiquei no meu posto e acompanhei de longe a vuca em torno dos
artistas. Mas posso dizer que ali, em meados de 1975, tive um encontro com o
João Coragem.
A imagem
de Tarcísio Meira que marcou muita gente vem da consagrada novela de Janete
Clair, que no início dos anos 70 parou o Brasil. O personagem João era símbolo
de alguns valores pelos quais a sociedade brasileira, com muita coragem, luta
até hoje. Na trama, temas como injustiça, cobiça, relações de interesse,
preconceito social e racial eram abordados e canalizados às lutas constantes do
núcleo de heróis.
Os
sonhos de enriquecimento com diamante, a opressão e a perseguição aos
garimpeiros faz da região um lugar dominado pelo malvado coronel Pedro Barros.
O roteiro ganha brilho igual ao brilho do diamante que o personagem de Tarcísio
Meira encontra e que de tão grande e tão valioso, pode mudar a realidade
política e social daquela pequena cidade do Cerrado goiano.
Abordo
aqui alguns aspectos da novela, passados 51 anos, com o apoio dos registros em
vídeo, em resenhas publicadas, mas segundo minha mãe dizia, naquela época,
quando somava pouco mais de 7 anos de idade, eu dominava os capítulos tintim
por tintim e ela ficava besta de ver eu contar os episódios em detalhes no dia
seguinte para meus coleguinhas da rua que não tinham televisão. Para ela aquela
resenha era sinal de esperteza e inteligência. Orgulhava-se ante familiares, vizinhança,
amigas do trabalho e exagerava no elogio ao filho que era assim tão “intelixente!”.
Note-se que não economizava. Ia além e inventava no fim e na fonética. “Intelixente
que só. Sabia contar a novela todinha”.
Não sei
da vida do cidadão que fazia compras entre os corredores com cheiro de cebola e
sabão em barra, naquele ano em que eu era boy de supermercado, mas do ator...
O
talento de Tarcísio, a mim se mostrou em caras e jeitos que surpreenderam. Num
dos momentos de maior relevo, precisou ter coragem. Foi quando enfrentou o
preconceito e beijou outro homem no cinema. Imagino a reação dos tradicionais
em ver o galã, o preferido de dez entre dez mocinhas românticas brasileiras se
atracando com Ney Latorraca na cena final de “O beijo no asfalto”. Hoje com os tribunais
da internet agindo, seria miudado nas ofensas e ameaças.
Confrontando
com o estilo mocinho limpinho e pegador que reinavam imputar-lhe, acho outros quantos
personagens que interpretou e que desapontaram os conservadores. A mim me foi
absolutamente saudável ver em cena Tarcísio, o atrapalhado, na novela Guerra
dos Sexos. Em outra ponta, o ator me causou asco vivendo o pervertido Dom
Jerônimo, de A Muralha; e me estimulou a curiosidade, uma espécie de admiração
malsã quando rasgou os sertões na pele do bandoleiro Hermógenes.
Em uma
cena eletrizante da novela Irmãos Coragem, João sai para um confronto com um
dos vilões que almeja tomar-lhe o diamante. Leva a pedra colada ao corpo,
protegida. Confunde-se com ela...
Um ator
que inspirou, que provocou reflexões sobre padrões de vida e comportamento, que
incorporou o galã, o atrapalhado e o sujo, com a mesma grandeza. Brilha agora em
outros palcos como o mais aquilatado diamante.
Aplausos!
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