O esperado é cair
Eu fico
bestinha da silva de ver as atletas olímpicas fazerem aqueles exercícios na
trave. Trata-se de um aparelho de competição que se compõe em uma peça de
madeira medindo 5 metros de comprimento por 10 centímetros de largura, elevada
a quase um metro e meio do chão. Pera lá que vou medir a largura do meu pé...
Gente,
o que é isso! Meu pé bate certinho nos 10 centímetros. Ou seja, não sobra nem passa
da largura da trave olímpica. É evidente que eu teria a maior dificuldade, caso
conseguisse, de atravessar uma pinguela que me oferecesse essas dimensões. Avalie
fazer o que essas atletas fazem. Equilibram-se, fazem coreografia, Largam-se da
trave em saltos espetaculares e aterrissam sobre ela de forma mais espetacular
ainda. Já merecem ouro todas por não escapulir daquela altura para o chão. Para
mim é a prova mais desafiadora (e perigosa) da Ginástica Artística.
Porque
o mais previsível é cair.
Em Rondônia,
houve de um tempo, minha equipe montar acampamento à margem de uma lagoa. Para
passar os equipamentos para o outro lado, caminhamos um bom pedaço até alcançar
o acesso pela barragem de cima. Tudo arrumado, na outra margem, o que é que a
turma me apronta... Para evitar a longa caminhada pela barragem, a equipe
simplesmente fez um atalho por dentro da lagoa. Foi no horário de folga. Eu
estava bem no embalo da minha redinha e só via era aquela presepada. Os
pequenos chegando do mato com varas linheiras, forquilhas, envira... Construíram
uma pinguela ligando as duas margens. Outras varas mais leves e finas foram
cortadas para servir de guia e ajudar no equilíbrio. Nos primeiros dias não
encarei. Dois ou três iam comigo pela barragem. O resto, cortava caminho pela
pinguela. Meu medo era que minha bota Topa-tudo não combinasse com aqueles, no
máximo, dez centímetros de contato com a madeira roliça e não me garantisse o
equilíbrio. Logo aprendi o macete, fazia um pé após outro de atravessado e me
apoiava na vara guia para garantir a sustentação. Acostumei. Ia e vinha desse
jeito todo dia com a turma e do meio pro fim, nem surtava mais. Tudo corria
como se fosse o mais perfeito e harmônico exercício na trave olímpica.
Até que
me chega um geólogo novato.
Nem
maldei. Falou que queria conhecer as frentes de serviço. Poderia até
acompanhá-lo pelo arrodeio por cima da barragem, mas tão mundiado de confiança
estava nas minhas traquinagens de travessia pela pinguela, que num repente,
ofereci um café, uma água do pote, tomei prumo e o convidei: umbora lá.
Quando
ele sentiu o drama de se apoiar naquela vara tremelicante de apoio, baqueou,
mas logo deu uma de durão. Orientei sobre o pé atravessado e saí na frente. É
bem verdade que um pouco além do meio, havia um trecho tenso. Era onde se
localizava o talvegue, rasgo no vale submerso, onde a água passava com maior
velocidade. A pressão empurrava a vara guia e a gente, até os bons, parava um
instante e concentrava total. Mas foi a conta. Só ouvi foi o tibêi atrás de
mim. A Valença é que o geólogo nadava bem. Era nota 10 no estilo crawl. Tinha
chegado da cidade, estava com a mesma roupa que desceu no aeroporto. Molhou
tudo. A gente que vivia no mato, não contava que aparecesse para atravessar
nossa trave olímpica, um desavisado com carteira porta-cédula no bolso.
Documentos, dinheiro, tíquetes de bagagem guardados de lembrança, um bilhetinho
da namorada que havia ficado em Recife, tudo se desfazendo de encharcado que
estava.
E eu
fico bestinha da silva com a trave olímpica. O esperado é cair.
Nenhum comentário:
Postar um comentário