A florada dos ipês
É dito e
repassado, pela família e por amigos chegados que sou, digamos assim, metódico.
É tudo no adiantado e aprumado para cada passo a ser dado.
Posso
confirmar essas manias de ter tudo certinho dando exemplo da segunda-feira. É o
dia que começa minha jornada de trabalho. Às cinco da matina. Quer dizer, tem
inicio formal na madrugada. No real, o que conta é que minha segunda começa a
partir do meio-dia de domingo. Posso estar no maior pagode. Na curtição de uma
praia de Outeiro agitada ou na banca do escritor paraense ladeado de estrelas.
Bateu a campa do meio-dia, já é segunda.
O mesmo
acontece aqui na coluna do sábado. Posso entregar a crônica a qualquer tempo.
Mas tenho uma lei me regendo que diz a entrega ser na quarta-feira. Rígida e
impenetrável. Para enviá-la, de quarta, não passa. Digo além: já deve estar
pronta. A quarta é só para fazer pequenas correções e uma leitura em meia-voz
para captar o ritmo.
Acontece
que essa semana não. São 5 da tarde, da plena quarta-feira, e ainda estou nos
arrodeios.
Sem
espanto. Não mudei da água pro vinho não. É que me impus escrever só depois de
ter tomado a segunda dose da vacina. Queria sentir este clima imediato da
imunização completada. Entender e tentar traduzir qual o sentimento que prevalece
na mente e no coração da gente, e como isso se revela aqui.
Fiz uma
liga procurando casar este finzinho de julho que traz a primeira florada dos
ipês que se espalham por Belém. É que foi exatamente há um ano que saí de casa
para criteriosa e apartada das gentes, caminhada matinal. Explorei a Marquês de
norte a sul. Reencontrei minha cidade, a brisa matinal, o céu azul-azul da
minha Pedreira querida, o canto dos pássaros, o voo ligeiríssimo do colibri, o
professor Paulo Nunes (igualmente em caminhadas criteriosas e solitárias), e a
beleza notável daquele encarreirado de ipês que se dispõe nas duas margens do
passeio, no trecho final próximo ao canal do Galo. Tudo por essa época, julho
já beirando agosto.
E foi
saudável esta ligação entre estes dois períodos porque ela resume, acho eu,
todo o esforço que fiz para sobreviver. Para chegar até aqui, na segunda dose,
valorizei muito a solidão, o isolamento, os protocolos rígidos para uma simples
caminhada.
Enquanto
escrevo, posso assegurar que a sensação que tive ao tomar a vacina foi a de ser
um sobrevivente. Um brasileiro que apesar de tudo (meu Deus! Meu Deus! Apesar
de um presidente que ainda hoje joga contra. Um presidente que, meu Deus! Meu
Deus! gravou um vídeo fazendo a imitação de uma pessoa morrendo com falta de ar!),
contra tantos vaticínios sombrios, tantas negações e fake news, conseguiu,
depois de um ano, quatro meses e três horas na fila, tomar a segunda dose da
imunização.
Poderia
estar agora enlevando este momento tão caro para todos nós brasileiros, mas
olha, tomei a agulhada, e no lugar do êxtase me veio o abatimento.
É que
me parece não haver vitória. Durante as três horas que permaneci na fila, ali
na minha frente, coisa de quatro pessoas além ou um pouquinho mais, uma mulher,
que estava como acompanhante, permaneceu com a máscara no queixo. E procurava
interagir e falava com a acompanhada de palmo em cima. Na fila da vacina! Todos
de máscara. Só ela com a máscara no queixo...
Vou arrumar
minhas coisinhas, posto que voltei ao trabalho presencial. Agora só caminho nos
fins de semana. Espero, no sábado, topar com os ipês florando a minha caminhada
matinal, ainda em necessária solidão.
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