O Trilobita que apita
Eram,
mal comparando, tipo uma baratinha. Habitaram a Terra antes dos dinossauros e
se quisermos saber os rumos e os temas do mundo naqueles tempos primitivos, os
Trilobitas, por certo, têm muitos causos a contar. Constituíram o grupo de ser
vivo que mais tempo durou sobre o planeta. Esta façanha de varar eras e eras geológicas
é um argumento poderoso para que eles sejam a categoria de fósseis das mais
estudadas. Os exemplares encontrados nas diversas camadas de rochas dizem dos
hábitos, do ambiente, das transformações que os indivíduos sofreram no decorrer
do tempo e até das causas do desaparecimento das espécies.
Andei
assistindo a umas aulas de Paleontologia, na minha fase- estudante-de-Geologia.
Uma pena não ter concluído a disciplina. Era um encanto só. Apreciava as
técnicas, os procedimentos, até táteis, que eram usados como ferramentas para classificar
este ou aquele fóssil (lembrava dos pequenos lá de casa e traçava um paralelo
com as experiências que as crianças faziam naquela época: na escola, em sessões
sensitivas, passavam os dedos em determinadas superfícies e indicavam se eram
lisas ou ásperas). A análise de fósseis pode ser feita assim, investigando o
corpo do serzinho, passando a ponta dos dedos. Áspero... liso...fundo...raso. Marcas
do passado. Milhões de anos passados.
O clã Trilobita
apitou, e muito, em todas as matérias relacionadas à Evolução. Biólogos,
Geólogos, os canônicos da Paleontologia e Darwin, o cara, valeram-se das
relações temporais estabelecidas pela sucessão de formas das baratinhas
paleozóicas para formular suas teorias.
Hoje em
dia, com essa histeria negacionista, aliada à tórrida febre terraplanista que
queima a história do planeta pelas beiradas, corre o risco de não apitar mais.
Essa gente sequer se abala a catar conchas nas areias para tecer um colar, que
dirá para criar teorias.
Conta-se
na biografia de um dos pais da Geologia, o inglês William Smith, que ele fez
dos fósseis seu objeto de pesquisa. Desde a infância coletava e prestava
bastante atenção nos fragmentos de rocha desenhados que se espalhavam pelos condados
ingleses. Anos mais tarde, após muito estudo e pétrea dedicação elaborou o ‘mapa
que mudou o mundo’ um documento extraordinário que ajudaria a virar do avesso o
pensamento medieval sobre o caráter imutável da criação. As pedrinhas que
colecionou desde a infância formavam um argumento temporal magnífico, levavam a
idade da Terra para a escala de milhões de anos e, avalie só a intensidade do
choque nos credos e dogmas: expunham a finitude da vida. Deflagravam a idéia de
que Deus criava e descriava. As camadas de rochas preservando testemunhos de
animais que não existiam mais, definiam a dinâmica de extinções periódicas a
que o planeta se submetia.
Essas
genialidades, as iluminações do pensamento científico, a sucessão de baratinhas
cada qual com seu barato, incrustadas nas rochas, nos revelam que o planeta
vibra e resiste aos dramas naturais. A vida não.
Bem
mais tarde, sem conhecer a história do Trilobita que apita, nem dos ermos
britânicos, ou mesmo sem dar conta de arte ou ciência, mamãe mostrou-se sábia,
e tanto, de fazer negacionista corar de vergonha. Voltando do campo, um dia, mostrei
pra ela um fragmento de rocha contendo o fóssil de uma
concha do mar. Mamãe sondou com o extremo dos dedos, percebeu o liso, o áspero,
o fundo...o passado, identificou o finito e o infinito. E cravou: o mundo não
se acaba. Quem se acaba é a gente
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