Polarização
Pensa num moleque péssimo. Fosse hoje, teria
encabeçado a lista de bloqueados nas minhas redes sociais. Eu, assim, ó, com
uma panemice indesejada, mas solertemente regular; dando fé a uma falta de
sorte cruel, calhei de conviver a pulso, com aquele anjo mau errante em dois
delicados momentos da vida. A primeira vez, foi quando formou comigo na turma
de boys do supermercado Carisma. E já deu a letra. Era dos mais ardilosos.
Sequestrava carretos, de gorjeta gorda e certa, dos barões, na cara dura, antes
que chegassem ao nosso caixa. Embromava e se escondia das tarefas, na hora da
limpeza do salão; batia o pão com fiambre da nossa mão, na hora do lanche
rápido, na calçada do estacionamento. Era um cão chupando manga. Diziam ter as
costas largas. Era aparentado do gerente e se dava o direito de ser, fazer e
acontecer. Um mau elemento de primeira linha. Apesar de ser moleque da nossa
idade, ia além do top comum. Era esticadão. Magrelo, mas bem musculoso, se
valia da envergadura para se impor. Antes de tudo, de apadrinhado e mal
intencionado, era um covarde. Certa vez, na saída da jornada, tarde da noite, a
turma nossa a caminho para pegar o cristo, sem motivo algum, por pura malineza,
me nocauteou. Ele, que parecia ser umas 30 vezes maior que eu, me alfobitou no
samba e nos transpescos em plena Tito Franco. Embora me sobrasse revolta, nada
pude fazer a não ser caminhar para a minha parada, soluçando, todo encalombado.
Os que estavam no cortejo, nem seu Souza, não moveram uma palha. Fizeram foi
rir daquela cena desleal (riram um riso tronxo, porque tinham medo dele, é que
é).
Saiu do emprego.
Mas o tinhoso, quando quer atentar, em todo lugar põe o rabo. Topei com o inominável outra vez, na
sétima série. Eu me abicorei e catei umas pedras na quadra abandonada, com o
forte propósito de resistir e não me deixar encalombar mais. Não houve a
precisão. O valentão caiu na turma em que brilhava a luz do meu melhor amigo na
escola.
Dudu era um garoto doce. Não ficava atrás do
inominável. Era um varapau também. Ao contrário do outro, não dava trela para o
tamanhão. Era garoto de sorriso farto, distribuía afetos e atenção pra todo
mundo. Eu reservava um destacado carinho ao Dudu. Era criado pelo pai. Toda a
minha fé no mundo, nas regras e nas leis desmoronava quando refletia sobre o
fato de meu amigo ter perdido a mãe para uma doença implacável, e ainda tão
pequeno. Explicação alguma entrava na minha cabeça que me convencesse da
ausência da mãe na vida de alguém. Na minha mente aquela situação machucava
muito meu amigo e eu me colocava a todo instante, à disposição para o que desse
e viesse, em atos e intenções que tirassem dele qualquer traço de tristeza.
Éramos então os dois moleques mais pregados um ao outro, daquela escola.
Dudu brilhava e isso incomodava o inominável, que se
alimentava das trevas. Não deu outra. O moleque péssimo voltou a ira para meu
amigo e o atentava de tudo quanto era jeito. O que Dudu tinha de candura, tinha
também de coragem e decisão. Não enjeitou a parada. Foi batata! Durante todo o
transcurso da sétima série, os dois se trançaram no telequete atrás do Bosque.
Eu, sem o menor medo de encalombar, era o segundo do Dudu. Segurava os
cadernos, a camisa, os sapatos, torcia a valer por ele.
Tinha um carinho deste tamanhão pelo Dudu. Era órfão
de mãe e na minha cabeça, isso fazia a diferença na hora da luta do bem contra
o mau. A lei da valência vingava. Dudu nunca encalombou.
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