Eu quero viver
Houve um ano aí, que eu tava que tava. Juro! Bateu uma deprê. A vida
tava assim, meio desinteressante, meio sem sal. Tudo por causa da MIR (lembram
dela?). É vera! Quando eu soube que a MIR ia cair, romper a exosfera e riscar o
céu em mir pedaços, quando soube que
a aventura super emocionante (e ponha emoção naquilo!) da estação orbital russa
ia acabar, fiquei numa malemolência, num cubu de dar dó.
Afinal a nave era o que vinha animando os meus dias, naqueles tempos de pax globalizada. Foi-não-foi, a MIR
virava notícia e nos pregava uma peça (ou: uma peça da MIR quebrava e a
pobrezinha corria riscos irremediáveis), e eu aqui embaixo, na expectativa, na
torcida. Mais com pouco, outra onda na MIR: ai! Quebrou a rebimboca da
parafuseta do compartimento de gases nobres (argh, argh! Esses russos!), e aí
eu me pegava com todos os santos. Acompanhava as últimas dos jornais, até que
tudo parecesse resolvido. Parecesse! Pois nada se resolvia na MIR. Cada bronca
resultava numa MIR menorzinha. Uma trombada aqui, um esbarrão ali, o coração
ficando fraquinho, fraquinho, e a MIR pedindo socorro. Até os americanos
metidões flutuaram por lá ajeitando um band aid aqui, outro acolá, mas necas.
Não teve jeito. A bicha despencou mesmo. E naquele padrão Rússia pós Guerra
Fria, com uns pedaços deste tamanho perigando cair sobre o cocuruto da gente,
égua!
E
foi esse, o meu comichão naquele ano. Uma nova realidade sem a minha MIRzinha
querida (geniosa, como as nossas queridas, mas como viver sem elas?).
Sinceramente, passei maus bocados, sem ver graça em nada. Enfurnado pelos
escurinhos da casa. Taciturno, ensimesmado. Carente. Sem rir, sem falar, sem
comer, sem beber, na onda dos suspiros enfadonhos e medonhos chiliquitos.
E
ainda mais que eram dias plúmbeos, de chuvas intermináveis.
Um
belo, dia, então, o sol mostrou a cara e eu fui dar uma voltinha por Belém.
Desci, a passos cadenciados, a ladeira do Forte do Castelo, só imaginando...
Lá
embaixo a lançante jogava a Guajará para além das barraquinhas da Feira do Açaí. E eu, aos poucos, me maravilhando com as
possibilidades de viver Belém, Viva
Belém, bembelelém, Viva Belém.
Ali,
na foz do Piri, dei pra ficar contemplando com prazer, os barcos zarparem da
doca do Ver-o-Peso, ao ritmo do banzeiro e ganharem o rumo do peixe bom. Tomei
a Boulevard e me surpreendi esperançoso, animado enquanto me deslumbrava com o
colorido matinal que as pimentas de cheiro emprestam ao entorno do Solar da
Beira, e com o mundo de bondades verdes se mostrando das barracas das
vendedoras de ervas.
Quis
fazer um poema, dar umas risadas, gargalhar. Quis correr de um lado a outro da
praça, atrás dos passarinhos que voam baixinho. Pensei em embarcar num popopô e
depois desembarcar já quando ele estivesse desatracando, só de pirraça. Quis
dar um sinal de louco amor pela minha Belém.
Pedi
abrigo ao Senhor, e ali, sentadinho num banco da Praça do Pescador, sob a
guarda do Jesus dos navegantes, eu decidi: sim, eu quero viver.
Pronto,
daquele dia em diante, a vida me sorriu de novo, e eu não quis mais saber de
tomar os mesmos rumos da MIR. Desde aquele dia de sol, quis ficar pra ver Belém
da Guajará se desfolhar em mil pedaços, presunçosa, orgulhosa, cheia de vida,
para mim.
E quer saber? Bem feito para a MIR, quem mandou ser tão lerda, tão incerta. Despencou e hoje ninguém lembra mais dela, só eu mesmo, nesses dias de chuva.
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