Toque de recolher
Incomodado por um adoecimento repentino que... Bom, que me impede ficar
sentado por muito tempo à frente do computador, acudi-me do filhinho. Senhoras
e senhores, Argelzinho Sodré:
“Eu estudava no colégio Dom Ângelo Frozi, e estava em mais um dia
normal de aula. A professora devia estar falando das cores primárias, ou algo
assim… até que bateu a campa pro intervalo.
Eu e meus parças fomos pro escorrega-bunda, Tínhamos uma tradição de
misturar nossos lanches e depois degustar essa bomba de sabores
industrializados. Por exemplo, era normal eu lanchar iogurte tutti-frutti bem
misturado com pitchula de guaraná garoto, polvilhado com raspas de biscoito
máscara negra, ou biscoito do gatinho, para os íntimos.
Saindo de lá, visivelmente drogados, fomos assistir aos mais velhos e
mais altos jogarem espiribol. Curtir essa liga sintética vendo uma bola girar
em torno de um poste, só essa escola me proporcionou. Saudades!
Na volta do recreio fomos abordados pelas professoras atordoadas
dizendo que não era pra gente se desesperar, que nossos pais já vinham nos
buscar. Eu voltava pra casa a pé com os caras, ou com a mamãe e a Amaranta, mas
nesse dia a dona Beth, nossa vizinha que tinha uma Kombi -e diversas
semelhanças com a minha tia Dina- estava lá na frente já esperando por nós.
De repente o porteiro, com o microfone anunciava que todos estavam liberados
e lançou a hashtag fica em casa, pois estávamos em toque de recolher. Enquanto
eu me encaminhava para a saída, olhei pra parede e tinha uma folha de papel A4
com a foto de um rapaz careca, na cadeia, anunciando: ARTERENX, ESTUPRADOR
FUGIU DA CADEIA E ESTÁ ATERRORIZANDO A VILA DOS CABANOS.
Na hora meu coração gelou (gelou agora, de novo). Cheguei em casa e o
zap da época (o telefone fixo de número 3754–2504) não parava de produzir
notificações. “Ele é um estuprador que ataca mulheres que andam sozinhas nas
ruas de Marituba, ele foi preso há alguns meses, mas fugiu de Americano, e veio
se esconder aqui na Vila, agora ele tá se escondendo em cima das árvores e
atacando mulheres que passam desacompanhadas, ele já atacou algumas, até a
fulana".
Nós, os Sodreres, prevenidos como somos, não saímos de casa pra nada.
Papai só saía pra trabalhar, Amaranta não podia ir pra casa da Flaviana, e eu
não podia jogar bola. Mamãe ficava inventando coisas pra gente fazer dentro de
casa. No momento de maior perigo, entre 12 e15 horas (todo morador da Vila tem
medo desse horário, se não tem, deveria ter), fechávamos toda a casa,
colocávamos a TV no programa ponto de luz e ficávamos ouvindo história de
visagem de crente, porque era menos aterrorizante que a realidade.
Após 5 dias de muito terror e isolamento, a tia Tati, minha querida
professora da época, ligou pra Márcia, que é uma das melhores amigas da mamãe,
que ligou pra mamãe avisando que prenderam Arterenx lá na comunidade de Vila
Nova. Assim foi restabelecida a tranqüilidade, a paz na pacata Barcarena. E que
quando ele foi preso, estava tentando aplicar a seringa numa criança!!!
Acabei de pesquisar aqui no Google pra saber se essa história é real ou
foi apenas um delírio coletivo. Não achei nada. Perguntei pros meus pais, mas
só sabem que aconteceu, sem muitos detalhes. Ah! Mas as crianças da época sabem
tudo sobre esse tempo de terror, e garantem que foi real o toque de recolher. E
não foi o único caso, ainda teve aquele dia que o leão fugiu do circo...”
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