sábado, 21 de novembro de 2020

crônica da semana - abacaxi bromélia

 Abacaxi bromélia

Tem cor de abacaxi, coroa exuberante, casca áspera, brota no meio de folhas alongadas, rígidas e cheias de espinhos, como o abacaxi, mas não é abacaxi. Trata-se de uma planta da família das bromélias que tem o cultivo voltado para a decoração. Poderíamos até comer o lindinho, mas dizque é azedo que dói. Tem por fim, enfeitar mesmo, pois que medindo em torno de cinco centímetros, não dá nem um estalo entre os incisivos, avalie um suquinho pra família.

Está na minha conta como aquele que parece ser mas não é.

Este abacaxizinho nascendo como bromélia no meu jardim até que me colocou dúvidas. Pesquisei, perguntei a amigos e amigas sobre ele. Esclarecido fiquei. Sobre outras e relevantes questões da vida, não tenho dúvidas.

Há anos, orbito, me embrenho entre os bons e até milito na arte. Dei de escrever.  Faço versos aqui, ali. Meu caminho foi construído em contato com as mais variadas manifestações artísticas e, principalmente, aquelas de força popular.

Sou da rua. É ter uma reuniãozinha de escritores ou batuqueiros na praça, um show na beira do rio, tô dentro. Tem um arrastão do Pavulagem? Umbora então nós. Carnaval? Me leva que vou. Entendendo, percebendo traços, conceitos, interagindo, construindo laços de amizade e sempre atrás do prazer e do divertimento saudável.

Em tempos não tão remotos, acompanhei e participei de boas iniciativas marcadas pela ocupação de espaços públicos. Eventos que pregavam a diversidade e o reconhecimento de identidades culturais. Riquíssimos em qualidade, em elaborações. Muitos dos artistas que nos encantam hoje e que alcançaram boa exposição na mídia, pavimentaram seu caminho naquelas reuniões.

Encontros maravilhosos, produtivos, sonoros, plásticos, aqueles. Que aos poucos foram sendo tão severamente reprimidos ou por agentes da administração ou da segurança pública, obedecendo à lógica da força. Do ‘te aquieta a pulso’. E tanto e com tamanho rigor, que os artistas e produtores se viram forçados a sair de cena. E eu, amante das artes, das peças e praças do povo, me vi órfão das coisas boas da vida, fui me amofinando, ficando pequenino, azedinho, com aquele sentimento de parecer ser o que não é, tal qual o abacaxi bromélia.

Depois veio a pandemia e completou a derrota.

Sem arte, sem vida. Sem artes, desilusões. Sem o alento da arte, ensimesmamentos e banzo. Este cenário sem cor e sem graça, sem pano de fundo nem música incidental, esta tela branca de silêncios relegados aos cantos, ao acanhamento, faz as vezes de um soterramento. De um afogamento pra dentro da gente. É como se engolíssemos, depois de mastigar bem mastigadinho, os próprios pulmões.

Às vezes penso ser coisa da idade. Porque, tá que tá que a idade mexe em tudo na gente. Outro dia fui fazer um exame de rotina e uma simples pinicada criou logo um catumbi, arroxeou, sangrou que só, deu febre e pressentimentos, crise de abstinência de álcool e doces, pânico, panemice, anuviamento, apatetamento e falta de senso, crise existencial, choro escondido, reflexões sem fim, alarmes falsos de desfalecimento, síncope, soluços, uma sensação de estrepe no dedinho do pé, cheiro de queimado no nariz, chiliquitos, dordolho e saudades imensas do rio Acre, das corredeiras do Madeira, das cachoeiras do Xingu, daquela lua imensa boiando do Amazonas na orla de Macapá. Da Guajará.

De repente tornei. Era domingo 15. Venci o medo de sair de casa, procurei meu título, agarrei e fui votar, na esperança de que tudo isso passe.

 

 

 

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