A música na frente
Na falta dos
rolés tradicionais de outubro, este ano nos quedamos em casa a trocar prosas
sobre curiosidades, detalhes pouco percebidos nas grandes movimentações do
Círio. Os colégios Gentil e Nazaré entraram na conversa. O Gentil é parada
final. Recriamos o momento da chegada e guarda dos carros da procissão, na
grande área ajardinada na frente do prédio. Acrescentei que na última vez que
acompanhei minha filha nas mobilizações do ensino médio, nem chegamos a
atravessar o portão do Gentil conduzindo nosso carro. Dali mesmo, voltamos pra
casa.
Tirando por essa
passagem da conversa, constatei que não foi muito comum, na história da minha
vida, atravessar os portões do Gentil. Duas contadas vezes, tive a oportunidade
de cruzar o jardim da escola. A primeira vez foi quando, ainda no início da
década de 1980, o padre Bruno Sechi coordenou a Pastoral de Juventude da Arquidiocese.
Fizemos um grande congresso, ocupamos as dependências da instituição, agraciados
por obsequiosa concessão feita pelas Filhas de Santana aos jovens
entusiasmados, cheios de vontade, ávidos por um mundo melhor. Todos os dias do
congresso eram iniciados e terminados com música. Nem sempre religiosa, mas
inevitavelmente de alta energia, de apelo a mudanças, mensageiras de paz e
justiça.
A outra e
inesquecível vez que entrei no Gentil, fiquei só por ali, pelo alpendre.
Aconteceu alguns meses antes de sair de Belém para ganhar a vida em Rondônia. O
jardim do colégio recebia um festival de música e naquela noite, um grupo
chamado, olha só que coincidência, Madeira-Mamoré, tocava no palco montado na área
externa. Fiquei com a estranheza do nome da banda martelando na cuca, e, olha o
destino: nos anos seguintes, seria íntimo, saberia muito sobre a história da
ferrovia Madeira-Mamoré. Conheceria descendentes de barbadianos que trabalharam
na construção, faria viagens na Maria Fumaça, pelo trecho ainda em operação,
conheceria as obras de Márcio Souza e Manoel Rodrigues Ferreira tecendo uma,
enfoque diferente da outra, para o tema.
Encarreirei a
nota que fiz sobre o Gentil ao resgate lá dos mesmos idos oitentistas, e a uma
deferência a mim dada para avançar nas dependências do Colégio Nazaré. Ocorreu
na posse da primeira gestão de uma entidade de estudantes secundaristas após a
devassa promovida pelo AI-5. Ainda sob a sigla Uesp, o movimento se reerguia
ali intramuros maristas. Tomei posse, mas já deixando de ser secundarista. Estava concluindo meu curso na ETFPA. Mais
tarde a entidade se reorganizaria como Umes, mas eu já estava em Rondônia, na
lida. Não teve música na posse, mas a música do Nazaré, eu já conhecia do
Mojuvena, que era unha e carne com o colégio. O grupo participava de todos os
festivais da Escola Salesiana. E em alto estilo. Tinham os melhores
instrumentos, levavam a própria mesa, microfones. Taí, se um dia tive uma
invejinha doce, foi daquele aparato do Mojuvena. E tocavam pacas. Hoje, quando
vou acompanhar a chegada da Santa, na Romaria Fluvial, me demoro ouvindo a
banda na frente do Nazaré. E me bate a história do Mojuvena, me ocorre a posse
da Uesp.
Acho que nas
decisões graves que a gente tem que tomar, a música deva vir sempre à frente.
Mesmo que, para servir depois de reflexão: como, meu pai, com tanta motivação
ativada pela música, com tantos jovens energizados, buscando mudanças em grupos
de igreja, na militância estudantil, ou na harmonia dos festivais... Como nos
deixamos afundar neste buraco que é o Brasil hoje?
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