Encontro de lilases
Semana minada de
emoções, decepções com insanos ajuntamentos de gente, surpresas e chuvas da
tarde, aquela aziazinha remanescente das extravagâncias do almoço de domingo e
eu me vendo bestinha da silva de descobrir, em tantos anos escrevendo aqui e
alhures, não ter, até então, incorporado ao meu vocabulário a palavra composta
por justaposição, “arco-íris”. É vera. Não tenho na memória o registro deste
belo e intrigante espetáculo nas minhas prosas, tanto que fui às pesquisas na
escrita normativa para poder grafá-la aqui na justaposta certeza do hifenizado
colorido, correto e aprovado pela recente reforma. E que arco-íris fez domingo
passado, heim! Arrasou! Veio em dois. Para marcar o dia. Matizou o céu do Círio
diferente. Mamãe, que não descartava os ditos e os mistérios, se entre nós
ainda estivesse, por certo cravaria: “parece uma coisa”.
O arco-íris se
realiza a partir da conjugação de um fenômeno meteorológico, mais um processo físico
ótico e uma dose fundamental de sensibilidade humana. A presença de água na
atmosfera, um solzinho brilhando em baixo ângulo e nosso olhar de observador
encantado são os elementos necessários para que o arco se dobre em um
espetáculo de cores que entontece a gente.
É imagem difícil
de explicar. O gênio de Newton, há mais de 400 anos, suavizou nossas
inquietações deduzindo sete cores principais que formam o arco-íris. Mas lá nos
escaninhos científicos certificam-se centenas, milhares, milhões de milhares de
tons e semitons entre o vermelho e o violeta do espectro desvelado no céu.
E no domingo,
dois arco-íris se formaram. Compuseram com a igreja de Nazaré, um cenário
único, plástico, divinizado em coração de mãe.
Não sei se
diante de tanta beleza e de uma nesgazinha de bem-vinda incompreensão (do
fenômeno, Newton, espectro...) ou de uma oportuna crença (mamãe, mistério...
“parece uma coisa”); não sei se foi percebido, por quem presenciou o fenômeno,
o detalhe de a ordem das cores, nas faixas que compõem o arco-íris, se
inverter, de um exemplar para o outro. E esta constatação dá chance ao mix de
sentimentos se justificar, quando nos deparamos com a contraposição, com o
encontro de lilases, com o distanciamento dos vermelhos, com imensidão de luz
traduzida nas sete plenas, infinitas cores.
O que os nossos
olhos acreditam ver, também sugerem a transcendência. O arco-íris é citado no Antigo Testamento
como o símbolo da aliança entre Deus e os homens, após o dilúvio. É uma mensagem. Uma certeza.
O céu de um
domingo de Círio, em meio a tantos problemas que enfrentamos atualmente; um
domingo de Círio, por certo, sem paralelo na história. Sem procissão, sem
Corda, sem o Carro dos Milagres. O céu de um domingo do Círio, colorido por um
fenômeno físico, formado em duplicidade, em choque de lilases, para muita gente
foi um sinal de novos rumos e tempos (“parece uma coisa”, uma mensagem, a
bênção da Virgem de Nazaré...).
Quando morei
fora de Belém, por um período de mais de dez anos, minha mãe, todo Círio,
mandava pra mim um roc- roc. O brinquedo era símbolo. Era mensagem. Era certeza
de nossa aliança. Fez parte da minha felicidade daqueles tempos em diante.
Em isolamento,
neste Círio, não saí de casa, não vi a santinha, não comprei meu brinquedo de
miriti.
O céu do domingo
cortou e arou. Foi consolo e conforto. Trouxe pra mim um sentimento de esperança,
de Círio e roc-roc. Espero que para o coração do mundo também.
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