Sem
rir, sem falar
Em
14 anos de colaboração nesta coluna, nunca ocorreu, d’eu ficar sem falar ou sem
rir, na hora de começar a escrever.
Para
não passar batido, já iniciei meu texto recorrendo a vários artifícios. Na mira
de cativar o leitor, logo nas primeiras linhas, dei de, um tempo, começar com
frases de efeito, lampejadas, eletrizadas, às vezes explorando o suspense: “não
foi ao encontro. Tivemos notícias vagas. A expectativa não era boa”. Coisas
assim.
Noutra
hora, optei pela ondulação romântica, prolongada, em andamento lento que, não
raro, varava um parágrafo: “a manhã se apresentava silenciosa. Era domingo. O
céu ainda se abria azul entre novelos avermelhados dispersos no horizonte.
Ruídos aqui e ali. Ela, na maior candura, semblante lívido, respiração leve,
ainda dormia. Vez em quando, entrava no quarto e contemplava aquele sossego. A
água do café aumentando de temperatura, o dia também...”. E por aí...
Houve
outro momento que rezei na cartilha do jornalismo clássico. Resumia a história
logo de prima. Usava da praticidade do lide. Oferecendo o núcleo, o âmago da
crônica, em rápidas e eficientes pinceladas. Tipo manchete de jornal: “A
derrota do Brasil para a Alemanha me fez virar a semana de ovo entornado”.
Normalmente mais contextualizadas, minhas introduções em lide.
Com
o passar dos anos, fui percebendo que não importa a forma de se iniciar. Todas
valem. Respondem a uma necessidade que vem de dentro da gente e não de regras
estabelecidas.
Assim,
tomei a liberdade de prosear poemas meus. Eram versos que pediam para explodir
para fora da métrica. E foram se ajustando no texto em marcações com letras
maiúsculas, com pausas propositais no ritmo da leitura. Uma prosa generosa,
abrigando a lírica, proporcionando minha libertação. Porque o poema a gente
sabe, não obedece a outra voz que não seja a voz do coração.
Hoje
eu queria iniciar falando das flores que estão nascendo no meu jardim. E como
eu penso aquele festival de cores, de luz, de exuberante beleza, ser a mensagem
de uma luta intensa; ser o sinal de uma força imensa se anunciando. Mostrando
que a energia da vida sempre vai florescer, vai eternamente se fazer desabrochar.
Vai vencer a pressão contrária. O clima triste. E restaurar a esperança nas
nossas vidas. Eu queria falar desses sinais. Eu queria falar aqui de boas novas
e de otimismo.
Preciso
mais que nunca da energia de flores brotando, agora que me vejo impotente, porque ao iniciar esta crônica, a
única palavra que me inclinei escrever foi lágrima.
Ao
iniciar esta crônica, me peguei sem rir, sem falar, sem lide decisivo, sem
lírica palavra, sem a operacionalidade da comunicação. Apenas a palavra lágrima
escorrendo pelo meu rosto, pelo teclado do computador, pelas ruas da minha
cidade, pelos corredores da vilinha onde moro. Nenhum recurso estilístico me
socorre. Artifício algum me alenta.
Até
que visitei o jardim. As flores estão mais viçosas que antes. Olhei para o céu
e a luz era plena e o dia tinha um frescor azul. Mas os amigos cambaleando, os
parentes abatidos, o risco iminente, a morte rondando perto... tudo vibrando em
contraponto.
Me
impus voltar ao jardim sempre para sorver, capturar uma infinitésima parte
daquela força. E que ela me faça resistir. Porque hoje, depois de 14 anos, escrevendo
nesta coluna, estou sem rir, sem falar.
Não
queria iniciar esta crônica com a palavra lágrima. Embora ela molhe os meus
dias, não iniciei.
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