Atravessando
a baía
Ali,
na confluência do rio Guamá com o rio Acará a gente tem uma amostra do
gigantismo da Amazônia. É o ponto mais largo e mais agitado do estuário
Guajarino e é a região em que ele muda de nome e passa a ser chamado de baía do
Guajará. Correnteza forte, vento nordeste durante o dia, opulência das águas.
Um companheiro vindo de Minas Gerais classificou, do jeito dele, aquele
cenário. Para ele aquilo já era mar. E justificou: o que entendia de rio tinha
envergadura e volume de água muito, muito menor. Eu concordei e, mineiramente, acrescentei dizendo que um ‘córrego’ aqui,
seria um ‘riachão’ para eles, lá. Esta é a lembrança que, analisando com os
critérios do coração e da razão, marca a minha trajetória como operário da cadeia
do alumínio, em Barcarena. A travessia da baía representava efetivamente, o nosso
primeiro dia de trabalho. A balsa levava a turma que completava o grupo de
profissionais que iria ‘partir’ a Alunorte.
A
travessia da baía completa 26 anos, daqui a alguns meses. Alguns companheiros
meus, da fábrica, remanescentes dessa época, me estimulam para que eu conte
essa história. A história, sob o ponto
de vista das pessoas que estavam naquela balsa, que se aventuravam naquela
travessia, de baía e de vida.
A
mudança para mim, começou com a nova relação que se formou entre mim e a baía
do Guajará.
Até
aquele dia, apenas por três vezes havia navegado as águas da Guajará. A
primeira vez, foi quando chegamos nós, mamãe e a filharada, do Acre. O despontar
das duas torres do Mercado de Ferro vistas lá de longe é ainda a imagem que
representa o meu batismo como paraense. A seguir, quando eu era já um
molequinho do primário, uma viagem, de férias para Mosqueiro junto com minha
tia Fabi, à bordo do navio Presidente Vargas traria para nossa convivência uma
proposta mais bucólica. Muitos anos depois, quando retornei de uma temporada de
trabalho em Macapá, argumentando a minha pouca experiência pelas ruas de rios
amazônicos, troquei minha passagem aérea por bilhete de navio e me encantei com
24 horas de viagem entre furos, canais e baías de não ver fim. Na chegada à
Belém, as torres de novo e um novo batismo. Este sim, batismo com água e não
mais com sonhos. Daquela vinda de Macapá, meu destino seguinte seria Barcarena,
daí, coisa que era rara, navegar pela baía do Guajará, passou a ser a minha
rotina.
Se
considerar um deslocamento mínimo de três dias por semana, desde aquela
travessia na balsa, junto com os mineiros abismados de ver tanta água, tenho
totalizado algo em torno de 3.600 viagens entre Belém e Barcarena. Para quem
contou apenas três passeios, a maior parte da vida, é um bom número. E do
jeitinho bem refinado, percorrendo várias paisagens. A baía robusta que margeia
Belém, os furos e a vida ribeirinha do Nazário e Piramanha, as barras de canal
já com vasta vegetação nascendo, bem defronte do cafezal. Nesses 26 anos, o
rio, a rua, a minha vida se realizando em fase líquida.
Passado
aquele período de aceitação, domado o desafio de ser mais presente no pra lá e
pra cá da baía, a nova realidade se estabeleceu. Mudei para Barcarena. Troquei
meu título de eleitor e fui fazer minha história naquele lugar.
Caso
a gente sobreviva a este flagelo provocado pela Covid-19 asseverada por uma
falta total de gestão responsável no Brasil. Vou tentar, aos poucos, e no meu
limite, descrever os caminhos que percorri nesses 26 anos. É hora de contar a
história.
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